Economia da Cultura: advento do século XX

Economia da Cultura: advento do século XX

 

Por Carmen Lucia Lima, César Franca e João Paulo Matta

Ao longo do século XX, os campos da cultura e da economia tiveram uma aproximação crescente, impulsionada pelo progresso científico e tecnológico proporcionado pela Revolução Industrial. Isto se deu, inicialmente, com a consolidação da importância socioeconômica do cinema e das demais indústrias culturais. Mais recentemente, tal fenômeno foi reforçado com o advento da sociedade da informação, trazendo novas mídias e intensificando a demanda por produtos e serviços culturais.

Além disso, no atual estágio do capitalismo, as especificidades culturais cada vez mais são vistas como fatores intangíveis de produção e formação humana da maior relevância.

O crescimento da preocupação dos economistas com as questões resultantes da relação entre economia e cultura está associado, portanto, ao entendimento de que o âmbito da cultura é um foco central de interesse no capitalismo atual.

A economia da cultura começa a ser desenvolvida, a partir da década de sessenta, com o intuito de investigar tais problemáticas. O objetivo deste artigo é apresentar um breve painel histórico-conceitual da economia da cultura, mostrando sua importância e desafios a serem enfrentados para sua evolução.

Além desta introdução, esse texto está subdividido em mais cinco partes. A
segunda parte aborda a situação atuação da relação entre economia e cultura na atualidade, além de apresentar o conceito de economia da cultura. Em seguida, discorre-se sobre as idéias e contribuições que antecederam ao advento da economia da cultura na Ciência Econômica.

Na quarta parte, apresenta-se o marco analítico da economia da cultura, bem como sua evolução mais recente. Na seqüência, aprofundam-se mais algumas questões a respeito da teoria da relação entre Economia e Cultura. Encerra-se com algumas reflexões metodológicas e sobre a agenda de pesquisa da economia da cultura.

A Economia e a Cultura no Capitalismo Atual

No início do século XXI, o mundo vive uma era marcada pela crescente convergência entre os fatores culturais e a dinâmica socioeconômica. Num contexto em que prevalece e avança uma sociedade capitalista; as principais atividades estão integradas pelas novas tecnologias da informação e comunicação e a informação circula em redes eletrônicas.

Como discute Cocco e Negri (2006), a economia como um todo depende cada vez mais das dimensões culturais. No capitalismo globalizado a dimensão cultural está no trabalho que se transforma em intelectual e criativo, ou seja, imaterial.

As atividades culturais vêm apresentando um significativo impacto sócioprodutivo. Em primeiro lugar, como fonte de emprego: as atividades relacionadas com o patrimônio cultural, do mesmo modo que os produtos e as indústrias com conteúdo cultural, criam, direta e indiretamente, emprego. Além disso, os efeitos das especificidades culturais enquanto fatores intangíveis de competitividade das empresas e das nações são motivos de interesse crescente. Portanto, o papel da cultura na economia tem sido cada vez mais relevante, o que traz uma complexa agenda de questões a serem investigadas.

Não há ainda informações homogêneas sobre a relação entre a cultura e a criação de emprego ao nível regional; ainda faltam estudos e dados relativos. Apesar disso, Bentley (2004) informa que se, há cem anos, menos de 10% das pessoas trabalhavam no setor criativo da economia, em 1950, este percentual subiu para 15% e, nas duas últimas décadas, houve uma explosão e hoje cerca de 30% dos trabalhadores das nações industriais avançadas encontram-se no setor criativo.

A importância da cultura no âmbito econômico já pôde ser observado, durante todo o Século XX, com o crescimento das denominadas “indústrias culturais”. Indústria cultural é o nome genérico que se dá ao conjunto de empresas e instituições cuja principal atividade econômica é a produção de cultura, com fins lucrativos e mercantis. Ao longo do referido século, o avanço tecnológico impulsionou a mercantilização da cultura, com uma interpenetração crescente entre as artes e as indústrias (ALMEIDA, 2005).

Durante os anos noventa a estrutura das indústrias culturais modificou-se de forma significativa com as novas tecnologias digitais. Tais atividades passaram por novo e acentuado processo de concentração, resultando na formação de grandes conglomerados, como a AOL-Time Warner e a NBC-Universal. Este crescimento vem sendo considerado um novo oligopólio global comparado ao setor automobilístico no início do Século XX (unesco.org.br). Segundo Moraes (2004), a mídia global está sob o controle de duas dezenas de conglomerados, com receitas entre US$ 8 bilhões e US$ 40 bilhões.

Esta dinâmica evolutiva das indústrias culturais tem levado seus agentes a rever e flexibilizar a produção. Na verdade, o setor se destaca como um motor fundamental de desenvolvimento e difusão das relações pós-fordistas de produção. Após a Segunda Guerra Mundial, Hollywood já fora pioneira na utilização de sistemas modulares de produção, formatados projeto a projeto. Hoje a busca da flexibilização produtiva se tornou uma tônica dentre as vertentes mais dinâmicas da indústria de entretenimento e da economia em geral. Com o cenário competitivo global nesses segmentos levando a micro-segmentação dos mercados, os grandes oligopólios se miram na obtenção de economias de escala com escopo (CANTERLE apud MATTA, 2004, PIMENTA E SECCO, 2005).

Nos últimos anos, com o desenvolvimento da micro-informática e das telecomunicações, houve uma significativa modificação no processo produtivo da indústria cultural. Com a crescente difusão de produtos culturais (livros, músicas, filmes) através de mídias digitais, competindo e tomando mercado de suportes mais tradicionais.

O termo indústria cultural foi cunhado pelos teóricos da Escola de Frankfurt Theodor Adorno e Max Horkheimer no livro Dialética do Esclarecimento (ADORNO;HORKHEIMER, 1985).  A obtenção de ganhos de escala – redução de custo devido a um aumento do volume de produção- com escopo – reduções nos custos médios derivadas da produção conjunta de bens distintos- visa ganhar a competição por um número cada vez mais diversificado de segmentos de mercado, flexibilizando a produção de modo a atender melhor suas demandas específicas.

Como conseqüência da multiplicação e propagação das mídias digitais tem crescido o debate em torno da relevância ou não das normas de proteção a propriedade intelectual.

De um lado, há quem defenda o caráter fundamental da proteção da propriedade intelectual, diante de seu valor crescente na “era da criatividade”. Por outro, há uma corrente que defende que os direitos autorais devem ser minimizados ou até mesmo eliminados na nova ordem global. Em defesa da adoção do conceito de copyleft (em oposição ao de copyright), tal corrente se justifica amparando-se em dois argumentos: i) a circulação de bens intelectuais deve ser irrestrita e a mais ampla possível, inclusive para estímulo da diversidade cultural; ii) a facilitação trazida pelas novas tecnologias à produção/distribuição de bens culturais implica na quase total impossibilidade de controle do uso de obras no ambiente digital, daí a necessidade da flexibilização e/ou relativização do instituto da propriedade intelectual, que supostamente inibiria o acesso universal à cultura.

Outro fenômeno observado no capitalismo atual é a culturalização da mercadoria. Trata-se da integração da cultura no processo produtivo, isto é, o incremento do valor cultural – estético, espiritual, social ou simbólico – incorporado aos bens duráveis e não duráveis de consumo (ALMEIDA, 2005). A cultura “gera valor”, gera diferencial porque o que é incorporado aos produtos são formas de vida: estilos, preferências, status, subjetividades, informações, normas de consumo. Assim, a mercadoria precisa ser dotada de valor cultural (COCCO; NEGRI, 2006).

Na virada do milênio, destaca-se a definição de indústrias criativas, estendidas como as atividades que se originam da criatividade, habilidade e talento individuais, têm potencial para gerar riqueza e emprego e exploram a propriedade intelectual. A definição abarca atividades como as artes performáticas, artes visuais, literatura, museus, galerias, arquivos e preservação de patrimônio, assim como outras com forte valor agregado pelo design como propaganda e publicidade, arquitetura, web e software, gráfico e moda, além das mídias em seus diversos formatos: radiodifusão, digital, filme e vídeo, games, música e publicações. Principalmente, a partir de iniciativas do Department of Culture Media and Sport (DCMS) do governo britânico, as indústrias criativas têm sido parâmetro para o desenvolvimento de políticas públicas de vários países.

Um exemplo interessante é o Creative Commons. Esta é uma Organização sem fins lucrativos dedicada a expandir a quantidade de trabalho criativo, para que outros possam legalmente partilhar e criar trabalhos com base noutros. Também em uma linha de pesquisa sobre cultura e desenvolvimento, convém destacar as interfaces entre a economia da cultura, o turismo e o planejamento urbano ou regional. O ponto de encontro entre o turismo e a economia da cultura está em que o grau de atratividade dos destinos em muito reside em suas diferenças e especificidades culturais.

O sucesso de destinos como a França e a Espanha reforçam esta perspectiva. Além disso, direta ou ind iretamente essa interface acaba incentivando a preservação e revitalização de centros históricos e culturais.

O turismo cultural é identificado como uma categoria com grandes possibilidades de favorecer o desenvolvimento socioeconômico local. Sob esta perspectiva, a revitalização urbana se aplicaria às cidades capazes de atrair e desenvolver as atividades culturais e pessoas criativas. Estas seriam chamadas de cidades criativas, capazes de abrigar alguns dos segmentos econômicos mais dinâmicos do capitalismo contemporâneo (FLORIDA, 2002).

Os fenômenos supracitados têm sido importantes desafios para a Ciência Econômica, demandando estudos mais específicos relacionando economia e cultura. Procurando responder as diversas questões que envolvem esses e outros fenômenos, a pesquisa sobre as relações entre a cultura e a economia tem crescido nos últimos anos.

A economia da cultura ou economia cultural é um ramo da Ciência Econômica que estuda os efeitos de toda atividade econômica ligada a uma manifestação artística e criativa de uma sociedade (PORSSE, 2005). A partir desse conceito, incluem-se todas as atividades relacionadas a sentimento, memória, folclore, ficção, ou seja, um conjunto diversificado de bens e serviços que vai desde um livro, a exibição de um filme em uma sala de cinema ou na televisão por assinatura, até moda.

A economia da cultura constitui-se em um instrumental analítico para resolver questões prementes ligadas aos efeitos econômicos da atividade cultural. Desta forma, esta é uma disciplina que vem se consolidando constituindo como um campo fértil tanto para pesquisa teórica como para verificação empírica (PRIETO, 2002).

A atenção dos economistas para análise da cultura e a dimensão dos efeitos econômicos é bastante recente. Entretanto, atualmente, a economia da cultura como campo de trabalho particular dentro da Ciência Econômica está registrando um progressivo reconhecimento institucional e acadêmico, fundamentalmente devido a três fatores (PRIETO, 2002):
·  As atividades relacionadas com a cultura são uma fonte importante de geração de emprego e renda.
·  A cultura pela condição de bem público se constitui uma atividade que, por excelência, é objeto de intervenção pública. Além disso, cada vez mais, o fator cultural é reconhecido como um elemento de identidade nacional.
·  Por fim, no plano teórico, a cultura é um terreno excelente de aplicação dos “novos progressos” da ciência econômica principalmente nas áreas da economia da informação, da inovação, institucional e do conhecimento.

Leia o estudo na íntegra.

Os autores compõem o GEPEC – Grupo de Estudos e Pesquisa em Economia da Cultura (FACOM/UFBA)

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