Distribuição de filmes na China

Distribuição de filmes na China

 

Por Shujen Wang*

Para entender a distribuição de filmes na China, precisamos compreender a importância política, ideológica e cultural que o filme possui na sociedade chinesa. O filme reflete as políticas culturais que sucessivamente refletem o ambiente cultural e, especificamente, a estrutura de mercado. O filme na China é visto como um dos vários mercados culturais existentes e sempre foi considerado um produto das invasões políticas, econômicas, militares e culturais do Ocidente, dessa forma, visto como impregnado de uma profunda estigmatização colonial desde o início.

Portanto, sempre foi missão do governo e do Partido Comunista disseminar e nacionalizar a indústria cinematográfica. Após a Revolução Comunista, em 1949, a China começou a construir seu próprio sistema nacional independente de filmes e baniu completamente os filmes norte-americanos, em 1950. A proteção da indústria cinematográfica ocupa, conseqüentemente, uma prioridade especial nas políticas culturais da China. Embora o governo chinês esteja adotando reformas de mercado desde a política de abertura, no final dos anos 1970, a reforma não se estendeu às arenas políticas e culturais. Os ensinamentos de Mao Tse-tung sobre arte e política ainda são influentes na formação das políticas e percepção atuais:

“Na crítica artística e literária há dois critérios, o político e o artístico […] Qual é a relação entre os dois? […] Negamos, não apenas, que há um critério político abstrato e totalmente imutável, mas também que há um critério artístico abstrato e totalmente imutável […] Literatura e arte estão subordinadas à política, mas cada uma exerce uma grande influência sobre ela.”

Acredita-se que as normas governamentais e a censura são necessárias, visto que a arte é compreendida como sendo capaz de influenciar a política, ao mesmo tempo em que é vista como subordinada à política. A importação de filmes estrangeiros está, conseqüentemente, sujeita a uma rígida análise. A China Film Corporation, fundada em 1979, tornou-se um monopólio dos empreendimentos cinematográficos do país, regulamentando a distribuição de filmes e as operações de importação/exportação.

Há duas subsidiárias sujeitas à China Film Corporation: a China Film Export and Import Corporation, que controla a importação e exportação de filmes, e a China Film Distribution and Exhibition Bureau in China e suas subsidiárias regionais, que são proprietárias da maioria dos cinemas e determinam os termos contratuais, as datas de exibição, os preços dos ingressos, e outros aspectos da exibição do filme.

Duas grandes organizações governamentais controlam as operações das indústrias de mídia na China. A State Administration of Radio, Film, and Television (SARFT) – Administração Estatal de Rádio, Cinema e Televisão – controla o setor de cinema (lançamento e distribuição), rádio e televisão, enquanto o Ministério da Cultura monitora o setor de importação e distribuição de home video.

Com a importação, em novembro de 1994, de O fugitivo/The fugitive (Andrew Davis, 1993), da Warner Bros., a China adotou o sistema de revenue-sharing (distribuição de lucros) pela primeira vez. Com base nesse sistema, a SARFT permitiu a importação de dez filmes estrangeiros por revenue-sharing ao ano, o que representa “realizações culturais mundiais de arte e tecnologia de filmes contemporâneos”. Revenue-sharing refere-se aos termos comerciais e ao padrão industrial que as empresas constituintes da Motion Picture Association (MPA) endossam. Sob esse sistema, o distribuidor e o exibidor negociam a porcentagem da bilheteria que cada um receberá.

De acordo com Wang Yung, assessor jurídico da Associação Internacional de Produtores de Filmes na China, o acordo específico de revenue-sharing entre a China Film e os grandes estúdios de Hollywood determina que os grandes estúdios recebam aproximadamente 15% da renda da bilheteria. Zhao Jun, diretor-geral adjunto da empresa cinematográfica da província de Guangdong, forneceu uma definição mais detalhada: para cada ingresso vendido, 46% são direcionados para a China Film, o escritório de distribuição chinês que monopoliza a importação/exportação. Dos 46%, 13% a 17% vão para os grandes estúdios de Hollywood dependendo do desempenho de cada filme, enquanto 29% a 33% da renda ficarão com a China Film. Os 54% restantes vão para as empresas locais que cuidam da distribuição em suas respectivas localidades. A cota foi aumentada para 20 filmes estrangeiros por ano, desde o acesso da China à Organização Mundial do Comércio (OMC), em dezembro de 2001.

A importação, distribuição e exibição de filmes estrangeiros na China têm sido importantes, de certa forma, porque subsidiam indiretamente a distribuição local de filmes. Embora a cota anual de filmes estrangeiros exibidos seja de 30% a 35% do total de filmes distribuídos, os filmes estrangeiros normalmente ficam com 60% da renda total da bilheteria (JONES, 2002c; WU, 1992). Torna-se necessário para a China Film contar com os lucros da distribuição de filmes estrangeiros para cobrir os prejuízos da distribuição de filmes nacionais, à medida que é freqüentemente difícil recuperar os custos da distribuição local de filmes.

A importação de home video (incluindo VCDs e DVDs), conforme mencionado, é controlada por meio de um canal diferente da SARFT: o Ministério da Cultura. A partir de 1997, a China permitiu a importação de home vídeo norte-americano. Mesmo que o conteúdo gravado em vídeo esteja também em película, a mídia é considerada nova (em contraste com a mídia mais antiga e mais ideologicamente carregada do “filme”), e os procedimentos e regulamentações para a aprovação de home video para a distribuição interna são conseqüentemente mais rápidos e mais tolerantes. Entre 1997 e 2000, por exemplo, o Ministério da Cultura aprovou a importação de mais de 800 títulos de home video (uma média de 200 títulos por ano), comparado com dez theatrical releases (lançamentos em salas de cinema) por ano.

Embora o processo de análise do home video seja mais rápido que o dos theatrical releases, o processo ainda é considerado longo. Quando é dada a opção entre alugar uma cópia legítima de um antigo VCD por 2 a 3 yuans (aproximadamente US$ 0,25) e comprar uma cópia pirata de um filme recém-lançado por volta de 5 a 15 yuans (US$ 0,60 a US$ 2, dependendo do local de venda), os consumidores geralmente escolhem a última.

Mercado

Embora em termos de bilheteria bruta o mercado cinematográfico chinês fique atrás de muitos outros territórios desenvolvidos, levando-se em conta o número de ingressos, segue como um dos maiores e predominantemente inexplorados mercados do mundo. Esse mercado tornou-se, portanto, um local de investimento potencialmente lucrativo para o capital estrangeiro. O acesso ao mercado da China, entretanto, tem sido um sério problema para os grandes estúdios de Hollywood e foi um dos assuntos mais controversos das negociações bilaterais sino-americanas do acesso à OMC.

O problema do acesso ao mercado, de acordo com a vice-presidente da MPAA, Bonnie J. K. Richardson, limitou seriamente o tamanho das exportações do setor cinematográfico norte-americano para a China. Ela calcula que os prejuízos, devido às restrições na importação e distribuição de filmes, custem à indústria norte-americana pelo menos US$ 80 milhões anualmente.

Algumas destas barreiras incluem limitações sobre a importação de filmes estrangeiros, monopólio do governo sobre a importação e distribuição de filmes estrangeiros, restrição à aquisição de salas de cinemas e longos procedimentos de censura. Apesar do acesso da China à OMC ter liberalizado mais a indústria cinematográfica chinesa em relação à exibição e produção, a distribuição cinematográfica permanece inacessível aos investidores estrangeiros. Tal estratégia demonstra não apenas a centralização da distribuição para manter a viabilidade da indústria cinematográfica, mas também a determinação e os esforços do governo chinês para proteger a indústria cinematográfica nacional.

Contudo, quando a China permitiu, pela primeira vez, importações de filmes estrangeiros com revenue-sharing, em 1994, muitos viram isso como a permissão para a entrada de um lobo ameaçador. Com o acesso à OMC e a decorrente abertura do mercado cinematográfico, especialmente nos setores de exibição e produção, os críticos vêem a inevitável entrada em larga escala dos grandes estúdios de Hollywood e outros capitais transnacionais no mercado chinês como a entrada de uma matilha de lobos. Tal retórica popular registra um medo comum diante da invasão de capital e influência estrangeira.

Reflete também, embora indiretamente, um Estado preso em um dilema entre o desejo de participar do mercado global e do processo de globalização e a ansiedade sobre o custo necessário envolvido nesta participação. Essa tem sido uma área fundamental, em que questões de política, política cultural e as dinâmicas entre o nacional e o global se cruzam e se manifestam. Para tratar de alguns problemas de acesso ao mercado, os negociadores norte-americanos concentraram-se em três diferentes áreas das negociações bilaterais sino-americanas do acesso chinês à OMC: o General Agreement on Trade in Services (GATS), Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços, para as questões de acesso ao
mercado de importação e distribuição, propriedade de cinema e censura; o General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, para os pesados impostos e encargos de importação que de certa forma fizeram da China um dos mercados cinematográficos menos lucrativos; e o Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS), Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, para o problema da pirataria desenfreada na China.

É compreensível, portanto, que os grandes estúdios de Hollywood estivessem esperando ansiosamente pela entrada da China na OMC, já que a China concordou em fazer as concessões necessárias. Segundo esses acordos, a China importará até 20 filmes com revenue-sharing enquanto permitirá aos investidores estrangeiros ter 49% de participação em projetos de exibição e controlar joint ventures (empreendimentos conjuntos) na distribuição e produção de vídeos.

*Trecho do artigo de Shujen Wang publicado no volume III – Ásia, da coleção “Cinema no Mundo: Indústria, política e mercado”, uma coedição do Instituto Iniciativa Cultural e Escrituras Editora.

Saiba mais sobre a coleção

Conheça o trabalho da autora