Economia da cultura e cinema no RS

Economia da cultura e cinema no RS

 

Por Leandro Valiati*

O Brasil adotou, a partir de 1991, em âmbito municipal, estadual e federal, um sistema de incentivo à cultura que, por meio de leis específicas, permite que agentes econômicos, pessoas físicas ou jurídicas, façam uma transferência direta de recursos para financiar projetos culturais, ganhando o direito de descontar esses valores do Imposto de Renda ou do ICMS. No caso do Rio Grande do Sul, o regramento específico passa pela Lei de Incentivo à Cultura estadual, administrada pela Secretaria da Cultura e pelo Conselho Estadual de Cultura, que permite um desconto no ICMS devido pelas empresas, de 75% do valor investido. Além do incentivo estadual, os projetos gaúchos podem, também, receber benefícios de recursos advindos de mecanismos federais. Desses instrumentos de política cultural da União, podemos citar a Lei Rouanet, de 1991, e a Lei do Audiovisual, de 1993. A legislação federal de fomento à indústria audiovisual é administrada pela Ancine e pelo Ministério da Cultura.

Tratando como investimentos os recursos destinados à produção do audiovisual, os acadêmicos, gestores e legisladores poderiam se remeter a uma relação parecida com aquela formada no mercado privado. Quando uma pessoa física ou jurídica investe em determinado projeto audiovisual, em tese, ela está comprando uma quota de  participação nos rendimentos do referido projeto, da mesma forma que o faria se estivesse adquirindo ações de uma empresa. Portanto, seria razoável assumir que os investidores almejam receber, em retorno, rendimentos maiores que o montante investido. Entretanto, principalmente pelo caráter público dos recursos e pela pouca complexidade do referido mercado, situação espelhada em casos análogos de outros países (Benhamou, 2007), essa expectativa em geral não se concretiza.

Tal relação só se estabeleceria se houvesse incentivos ao investimento não subsidiado, como acontece na maior parte dos mercados de ação privados. No Brasil, em alguns casos até 100% do valor investido é recurso público que deixa de ser arrecadado pelo Estado em prol do fomento à produção cultural. Os valores investidos são, de qualquer forma, recursos a fundo já irrecuperáveis para as empresas, restando a elas apenas escolher se desejam transferir o valor diretamente para a área cultural ou para o aparelho estatal como um todo. Não há, então, no mercado brasileiro, a relação de investimento puramente privado no mercado cinematográfico, como acontece no mercado de ações corporativas, visto que as empresas investidoras não esperam obter lucros.

Além disso, ao focarmos as leis e os instrumentos já existentes no fomento, fica bastante claro que a decisão para a viabilização de determinadas produções está concentrada nas empresas que praticam o investimento por meio das leis. Essas empresas podem optar, no “menu” de obras reconhecidas como de valor cultural (e autorizadas a captar recursos provenientes da isenção fiscal), por aquelas que lhes interessam e serão viabilizadas. Ou seja, é uma etapa de mercado, em que as empresas (utilizando-se de forma racional do aparato legal vigente) decidem onde alocarão os recursos fiscais não repassados ao governo.

No contexto do mercado brasileiro de cinema, um pequeno número de filmes concentra a imensa maioria dos rendimentos provenientes da venda de ingressos, deixando os demais em situação deficitária. O mercado audiovisual, assim como toda a indústria cultural, representa uma competição monopolística, em outras palavras, cada produtor oferece um bem similar, mas não idêntico, aos ofertados pelos demais, deixa-se, assim, espaço para que haja concentração progressiva de renda em um mercado livre. Isso pode acarretar em permissão para que as produtoras responsáveis pelos filmes concentradores de lucros controlem o mercado, gerando situações de oligopólio e monopólio, as quais dificultariam a entrada de novos competidores, já que os investimentos iniciais para a produção cinematográfica são elevados em relação às outras áreas culturais. Assim, em um cenário mundial de livre comércio de obras audiovisuais, as economias de escala das produtoras norte-americanas esmagariam a concorrência internacional, como, de fato, ocorreu inúmeras vezes.

Esse processo revela a seguinte falha de mercado: como é princípio de um monopólio ou oligopólio, a(s) empresa(s) ofertante(s) vende(m) seus produtos por preços superiores ao custo médio mínimo e ao custo marginal, ou seja, a um nível de produção que lhe(s) proporciona lucros maiores do que ela(s) teria(m) num mercado de concorrência perfeita, onde o preço de venda coincide com o custo marginal e o custo médio mínimo. Contudo, essa quantidade produzida não coincide com a que otimizaria a alocação dos recursos para a sociedade. Essa coincidência entre maximização dos lucros e otimização do bem-estar social só é atingida em situações de concorrência perfeita, com a ação do Estado em áreas de estrangulamento ou falhas de mercado.

A teoria econômica indica que, na existência de uma falha no mercado, o Estado deve interferir, criando mecanismos que permitam a otimização do bem-estar simultaneamente à maximização dos lucros empresariais.  Segundo Filellini (1994), essa intervenção pode ser realizada de três formas:

• pela concessão de subsídios diretos;

• por meio da regulação governamental, que forçaria os monopolistas e oligopolistas a produzir a quantidade “ótima” para a sociedade;

• tornando a produção em questão um monopólio estatal, que permitiria que qualquer sobre lucro fosse repassado para a população na forma de novos investimentos ou recursos do Tesouro.

Felillini (1994) segue sua análise sobre a ação do Estado afirmando que as firmas monopolistas criam uma área de ineficiência econômica muito similar àquela produzida pelas tributações. O autor, nesse ponto, interpreta que os monopólios possuem o poder de “tributar” o consumidor, cobrando-lhe mais do que seria o mínimo possível. No entanto, o autor observa que, mesmo com a interferência do governo, a alocação de recursos em mercado monopolizados ou oligopolizados nunca será ótima para a sociedade. De acordo com Valiati e Florissi (2007), além da falha referente à monopolização, existem problemas no mercado de bens culturais relacionados à assimetria de informação e às externalidades.

No caso específico da indústria do audiovisual brasileiro, essa intervenção estatal é realizada por meio das leis de fomento à cultura, anteriormente citadas, que fornecem os incentivos necessários para que os agentes invistam em projetos os quais normalmente não seriam economicamente atraentes. Caracteriza-se, portanto, uma espécie de subsídio indireto: o Estado permite que sejam arrecadados recursos que serão financiados por ele, mas deixa a cargo da habilidade de negociação do produtor cultural e da capacidade de atração financeira do projeto determinar quão efetiva e significativa será essa captação junto às empresas. Esse argumento estabelece um dilema: produção economicamente não viável deveria concorrer a subsídios? Ou, ainda: quais motivos existem para que se financie com dinheiro público, que possui, por definição, um grande custo de oportunidade, projetos que podem não apresentar nenhum retorno financeiro significativo?

Muitas abordagens são dadas a esse dilema. Algumas se referem principalmente à necessidade de uma alocação eficiente dos recursos públicos, argumentando que antes de serem transferidos para a área cultural, eles deveriam ser aplicados em saúde e educação, áreas que beneficiariam um contingente muito maior de pessoas. Outras consideram que não devemos nos deter apenas no valor econômico da produção cultural, admitindo que as artes geram externalidades positivas as quais não são levadas em consideração durante as transações econômicas. Entre essas externalidades, – que vem da exploração do lúdico –, além do “transbordamento” das inovações técnicas, as quais podem se converter em uma escola ou em um novo patamar de difusão de conteúdo, como, por exemplo, o movimento Dogma 95 ou, ainda, a exibição em formato digital.

A primeira justificativa contemporânea dos subsídios às artes foi tecida no pioneiro estudo de Baumol e Bowen (1969). Ao analisar as artes performáticas na Broadway, esses pesquisadores perceberam que eram atividades com inúmeros participantes, os quais não poderiam ser descartados ou substituídos com o avanço das tecnologias, como vinha acontecendo em outros setores da economia. Não haveria, portanto, ganhos de produtividade tão intensos como ocorreram em outras áreas, e, tendo em vista as limitações físicas do ser humano, os custos não poderiam ser reduzidos por ganhos marginais advindos da reprodução infinita dos espetáculos. Com o passar do tempo, haveria ausência de incentivos econômicos para investimentos em projetos culturais dessa natureza, já que oportunidades de investimento em outras atividades se tornariam mais vantajosas do que as da área da cultura, e o Estado teria que assumir o papel de investidor para garantir a permanência das externalidades geradas pelo consumo de bens culturais.

Os argumentos de Baumol e Bowen (1969), todavia, não podem ser totalmente aplicados ao cinema. Apesar de, em muitos casos, o número de pessoas requisitado para realizar um filme ser superior ao necessário para uma peça ou orquestra, ele está diminuindo devido à implementação de tecnologias, como a filmagem em formato digital, o uso de Chroma Key e de gruas para câmeras, que reduzem a necessidade de mão de obra. Ao contrário das artes performáticas, os custos marginais de reprodução são reduzidos (ou quase nulos, quando se resumem à eletricidade consumida no uso do projetor), permitindo a infinita repetição das obras. Esses fatores, responsáveis pela diminuição do custo total das produções cinematográficas, aumentaram a popularidade do cinema em relação às outras artes, elevando, com isso, as receitas desses projetos, tornando-os, principalmente nos Estados Unidos, economicamente atraentes para investidores.

Heilbrun e Gray (2001) afirmam que os subsídios à cultura são necessários por dois motivos: a) a preços menores, a demanda pelas produções artísticas aumentaria, garantindo um mercado autossustentável no longo prazo, os subsídios permitiriam a sobrevivência temporária dos produtores culturais, sustentando seus déficits de curto prazo; b) o consumo de bens culturais requer um gosto adquirido e, portanto, o governo deve incentivar atividades educacionais para engendrar uma demanda futura por maior quantidade de bens culturais. Essa última justificativa refere-se, basicamente, ao fenômeno já mencionado da assimetria de informações, que gera uma área de ineficiência econômica, e que poderia ser suavizado pela intervenção do governo.

Os autores ainda mencionam que os subsídios são necessários para garantir preços baixos os quais permitam que o consumo de cultura e a herança cultural não sejam limitados pela distribuição injusta da renda ou pela concentração geográfica da produção. Baumol e Bowen (1969) seguem a mesma linha, estabelecendo que a intervenção governamental é a única maneira para uma boa distribuição geográfica das artes e para fomentar o consumo cultural entre os indivíduos de baixa renda.

A economia do setor público, como explicitada em Filellini (1994), justifica a intervenção estatal no mercado quando existem externalidades positivas que não estão sendo computadas nas trocas econômicas. O mesmo acontece quando os custos ou benefícios sociais são superiores aos custos ou benefícios privados. Em uma situação de externalidade positiva, o que é produzido gera benefício social superior aos benefícios privados que o produtor recebe. Em outras palavras, o mercado deixa de recompensar o ofertante pelo bem que ele cria e o preço de equilíbrio não reflete a utilidade real daquela produção. Como a recompensa pela atividade é inferior aos benefícios que ela gera para a sociedade, o produtor acaba por escolher um nível de produção inferior ao ótimo social. Sendo as atividades culturais, incluindo-se aí o cinema, geradoras de externalidades positivas, pelas quais o preço pago não recompensa o produtor como deveria, é necessário que exista um subsídio governamental para que a produção cresça e atinja o que seria considerado o ótimo social.

Alguns problemas inerentes a esse processo são relevantes: Van der Haag (apud Valiati e Florissi, 2007) defende que o subsídio traz à tona produtores inescrupulosos interessados apenas em receber os fundos governamentais, enquanto Banfield (1984) sustenta que os preços dos bens culturais devem ser os de equilíbrio, não os subsidiados e o problema do consumo reduzido nas classes de baixa renda deve ser tratado em sua origem e não através de medidas paliativas como a diminuição dos preços. Mauro Salvo apontou uma questão interessante sobre as consequências do subsídio à cultura: enquanto os setores não subsidiados (os de distribuição e exibição) demandam filmes que maximizem seus lucros com bilheteria, o setor subsidiado de produção não possui incentivos para produzir filmes que tenham como objetivo atrair o máximo possível de espectadores, pois sua renda já está garantida pelo auxílio governamental, o que causa um desequilíbrio entre oferta e demanda.

Os bens audiovisuais, especialmente os cinematográficos, são meritórios. Filellini (1994) define bem meritório como aquele que pode tanto ser divisível quanto indivisível, está sujeito ao princípio da exclusão e possui margens externas significativas. Musgrave (1987) afirma que bens meritórios são aqueles subconsumidos ou superconsumidos, quando levamos em conta apenas as preferências do consumidor, devido ao fato de os consumidores serem agentes míopes que maximizam seus benefícios no curto prazo, sem grandes preocupações com o bem-estar social no longo prazo. Em outras palavras, a produção audiovisual possui características mistas de bens públicos e privados e gera, como margens externas, consequências positivas para a sociedade. Por exemplo, enquanto um filme encontra-se em cartaz nos cinemas, ele está sujeito, de certa forma, à exclusão (não se aceita mais espectadores do que a sala de exibição pode acomodar e não se permite, normalmente, entrada gratuita), mas não há rivalidade (o prazer de um indivíduo ao assistir tal filme não prejudica o do outro).

Quando esse mesmo filme começa a ser exibido na TV por assinatura, reduz-se o nível de exclusão (todos os que pagaram pelo sinal do canal poderão assisti-lo) e seu preço relativo diminui. Assim, o princípio da exclusão diminui conforme o produto audiovisual transita de uma mídia para a próxima, desaparecendo quase que por completo quando chega ao nível de exibições públicas gratuitas e na TV aberta. Nesse processo de trânsito entre os veículos transmissores, as margens externas do bem cinematográfico (as externalidades que ele gera) só crescem em quantidade e número de pessoas beneficiadas. Os bens cinematográficos são, também, indivisíveis no estágio de exibição em salas de cinema, mas, no momento em que eles começam a ser comercializados em DVD ou VHS, tornam-se divisíveis e cada consumidor pode adquirir a sua própria cópia.

Justifica-se, ainda, a ação apoiadora do Estado, como explicitado por Diniz, pela importância do setor cultural no desenvolvimento econômico. Vários estudos evidenciam que o setor cultural possui importância no que diz respeito à geração de empregos e renda. Diniz também cita estudos relacionados a fenômenos regionais, como o efeito turístico, o efeito de notoriedade de imagem e o efeito de identidade.

Todavia, talvez a mais notável consequência da atividade cultural seja a formação de capital humano. Segundo Diniz, citando Tolila (2007), a cultura, ao estimular as capacidades intelectuais e emocionais dos indivíduos, tornar-se-ia, em conjunto com a educação e a pesquisa científica, um mecanismo de aprimoramento do capital humano de determinada região. Assumindo que vivemos em uma economia altamente competitiva e dependente da constante inovação advinda do aumento, quantitativo e qualitativo, do estoque de capital humano, o setor cultural tem um papel muito importante como insumo do desenvolvimento regional. Por fim, a cultura também apresenta efeitos sobre a produtividade dos trabalhadores, fornecendo o descanso da fadiga física e mental, crescentemente colocada sobre eles.

Essa questão de política pública para o audiovisual no Brasil, além dos motivos acima, é justificada também como uma maneira de fomentar uma indústria nascente. É imprescindível notar que as leis de fomento à cultura garantem a existência da indústria do audiovisual da maneira como ela se encontra hoje. Além de protegerem a produção nacional da sufocante competição estrangeira, elas impedem, em certa medida, a concentração interna em determinadas regiões, diminuindo o grau de oligopolização do mercado, e aumentam a quantidade de produtos ofertados à população, levando a produção a um nível mais próximo do que seria o ponto ótimo para a sociedade. Objetiva-se com essas leis, em tese, criar uma indústria autossuficiente e capaz de resistir à concorrência internacional. Contudo, esses mecanismos possuem outro efeito, por vezes, não desejável: o financiamento dos projetos torna-se majoritariamente estatal, advindo de tributos que deixam de ser arrecadados, prejudicando outras áreas mais carentes de recursos governamentais.

Apesar desses instrumentos baseados em renúncia fiscal representarem um grande avanço na indústria cultural brasileira, eles não podem ser considerados uma consolidada e eficiente política cultural, porque beneficiam apenas um dos lados do mercado, o da produção, sem alterar a demanda. Existe, ainda, a possibilidade de ocorrência do fenômeno rent-seeking, quando agentes econômicos, pessoas físicas ou firmas tentam auferir lucros por meio da manipulação dos benefícios ou da autoridade estatal.

Possivelmente no Brasil, sem os mecanismos de apoio governamental, teríamos uma indústria cultural quase que totalmente concentrada nas grandes produtoras da Região Sudeste, especialmente na área do audiovisual, que requer grandes investimentos iniciais, com expectativas de faturamento incertas. Esse fenômeno se daria por três motivos: a) a Região Sudeste responde por 59,2% do mercado brasileiro de espectadores de filmes em salas de cinema; b) ela é a única região do Brasil (com exceção do Distrito Federal) que possui empresas especializadas em produção, exibição e distribuição de projetos, ou seja, a cadeia produtiva completa; c) ao contrário do restante do país, as empresas que trabalham com audiovisual nessa região normalmente são de grande e médio porte, o que lhes confere maior poder de concorrência e maior capacidade de atrair grandes investidores.

Rio Grande do Sul

Nesse cenário, o Rio Grande do Sul se encontra numa posição privilegiada: é o quarto maior mercado de exibição no Brasil e o maior fora da Região Sudeste. Além disso, Porto Alegre é a cidade brasileira com mais de um milhão de habitantes que possui a melhor relação de salas de cinema per capita, uma sala para cada 21 mil habitantes. A capital gaúcha tem, também, público espectador na área de audiovisual maior que cidades mais populosas, como Salvador, Brasília, Curitiba Recife e Fortaleza, o que pode indicar que os porto-alegrenses frequentam mais vezes as salas de cinema do que os habitantes das capitais supracitadas, ou que um percentual maior de porto-alegrenses vai aos cinemas do que em outras capitais.

Apesar de representar uma grande fatia do mercado de exibição brasileiro, o Rio Grande do Sul não é autossuficiente no que diz respeito à produção audiovisual: as empresas gaúchas concentram-se totalmente no setor de produção e precisam contratar grupos de outras regiões para distribuir e exibir seus projetos.

O perfil das produtoras gaúchas encaixa-se no das micro e pequenas empresas, caracterizando um mercado atomizado a nível regional. Essa característica confere a elas um pequeno poder de concorrência por elevados recursos de financiamento dentro do Rio Grande do Sul, mas reduzido diante de produtoras fluminenses, mineiras, paulistas e brasilienses. Enquanto a produção é altamente pluralizada, o número de distribuidoras é muito pequeno. O nicho de distribuição é constituído de empresas que se especializam em comprar filmes das produtoras culturais e garantir que eles sejam exibidos por meio do arrendamento de salas de cinema; para tanto, os grupos distribuidores e divulgadores precisam aumentar seus acervos de modo que os projetos rentáveis compensem os não rentáveis, devido aos elevados custos decorrentes, principalmente, da grande extensão geográfica do mercado de exibição.

Esse crescimento da quantidade de filmes adquiridos acarreta economias de escala as quais impedem que novas empresas adentrem facilmente no ramo. Gera-se, portanto, uma grande concentração do mercado em poucas e grandes empresas que decidem, por meio de relação de força vantajosa em negociações financeiras, se os filmes produzidos chegarão ou não ao grande público (Benhamou, 2007). Contudo, não é um fenômeno exclusivo gaúcho ou brasileiro: em Hollywood, o maior polo de produção cinematográfica do mundo, a concentração na área de distribuição é ainda maior, sendo difícil até mesmo para grandes nomes da indústria penetrarem com sucesso nesse nicho (Benhamou, 2007).

As distribuidoras independentes que atingem resultados satisfatórios logo são adquiridas pelas grandes corporações já estabelecidas. A situação relativa à concentração de poder de mercado por parte das distribuidoras complica-se ainda mais quando tratamos do mercado nacional. Em 2005, uma única distribuidora de origem norte-americana (Warner) absorveu 20,5% da renda total gerada no mercado de exibição brasileiro. Outra distribuidora proveniente dos Estados Unidos (Columbia), no mesmo ano, concentrou 59,1% do público espectador de filmes brasileiros. Sendo as maiores distribuidoras no mercado nacional empresas norte-americanas, torna-se ainda mais difícil a concorrência com os produtos cinematográficos estrangeiros.

O volumoso poder exercido pelas empresas do setor de distribuição modificou completamente o modo de produção da indústria do audiovisual no mercado mundial: num primeiro momento, as quotas de participação nos rendimentos do filme são vendidas para investidores que, atualmente, são as próprias distribuidoras ou grandes redes televisivas, para angariar recursos financeiros os quais, num segundo momento, serão usados para realizar, de fato, o projeto. A lógica da venda (que é a de produzir apenas aquilo que encontrará demanda), no mercado atual, superou a lógica da criação ao determinar a produção de filmes.

Nessa nova maneira de produzir, o mercado brasileiro de oferta de audiovisual, especialmente aquele localizado fora da Região Sudeste, na ausência da política cultural de subsídios indiretos por meio da renúncia fiscal, oferece pouca atração para investidores, sejam eles as distribuidoras ou não, que precisariam arriscar seu capital numa manobra financeira com poucas chances de retorno. Com a existência do incentivo à produção, o risco se dissolve, já que os valores investidos são quase puramente governamentais e o retorno esperado pelos investidores não é financeiro, e sim na forma de exposição da marca e boa publicidade.

O incentivo governamental torna-se, portanto, vital para a sobrevivência da produção de audiovisual gaúcha. Poderemos notar essa dependência durante todo este livro e, ao analisarmos a dispersão desse incentivo pelas regiões do Rio Grande do Sul, pelos projetos patrocinados, pelas produtoras que os produziram e pelas empresas que neles investiram, perceberemos como o nosso mercado audiovisual possui uma fraqueza intrínseca que só poderá ser rompida por uma mudança na tendência de produção. Seria possível que essa alteração se originasse de uma iniciativa estatal que estabeleceria incentivos não apenas para a produção, como existe atualmente, mas também para a formação de toda a cadeia produtiva, incluindo os setores de distribuição, formação e exibição, assumindo, então, que o Estado tem a responsabilidade de fornecer a proteção necessária à indústria nascente, para que ela supere os estrangulamentos na cadeia produtiva.

*Preâmbulo do livro “Economia da cultura e cinema: notas empíricas sobre o Rio Grande do Sul”, de Leandro Valiati, selecionado no Prêmio SAV para Publicação de Pesquisa em Cinema e Audiovisual (2009-2010).

Saiba mais sobre o Prêmio SAV