Cinema em Portugal: para além do mercado

Cinema em Portugal: para além do mercado

Conhecimento da atividade cinematográfica em Portugal: importância, obstáculos, evoluções.

A análise do setor cultural reveste-se de importância vital para a compreensão de dinâmicas endógenas e das relações deste com outros campos da sociedade. A produção de informação, nomeadamente de natureza estatística, sobre as atividades ligadas ao campo cultural, em particular o campo do cinema, era até há poucas décadas de tal forma limitada, fragmentada e irregular que as tentativas de conhecimento desta realidade se deparavam com obstáculos dificilmente superáveis.

Nestas circunstâncias, muitas dimensões da atividade cinematográfica eram imperscrutáveis – num continente como o europeu, marcado por um acentuado intervencionismo estatal na cultura, estas barreiras ao conhecimento eram especialmente impeditivas da definição de estratégias para o desenvolvimento setorial, da sustentação de decisões políticas e da avaliação da sua eficácia – mais ainda em países como Portugal, com uma indústria pouco estruturada e um mercado interno frágil.

Estas lacunas, não sendo uma realidade exclusivamente nacional, eram sem dúvida evidentes no país – como o atestam os primeiros anos de actividade do OberCom. Nas primeiras edições do Anuário da Comunicação, apenas era possível uma monitorização parcial do setor: as atividades de produção eram caracterizadas com base na informação sobre apoios financeiros de âmbito nacional (à data: ICAM – Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia, actual ICA – Instituto do Cinema e do Audiovisual) e supranacional (fundo Eurimages, programa Media), a distribuição era monitorizada através das estatísticas resultantes do licenciamento obrigatório de filmes para exploração comercial (IGAC – Inspecção Geral das Actividades Culturais). Os dados sobre bilheteiras e frequência de cinema provinham do inquérito lançado às empresas pelo INE – Instituto Nacional de Estatística. Neste panorama de aridez informativa, os próprios agentes setoriais, salvo excepções, resistiam a divulgar publicamente informação sobre a sua atividade, mesmo quando esta era objeto de financiamento público.

Em Portugal, a última década ficou marcada por uma abertura acentuada no domínio da informação, nomeadamente estatística. A partir de 2004, por exemplo, com o sistema de bilheteiras informatizadas implementado pelo ICAM, tornou-se possível monitorizar a frequência de cinema (informação inexistente desde a extinção das chamadas “folhas de bilheteira”) e alargar o espectro de indicadores, ganhando desde então em diversidade, refinamento, rigor e representatividade.

Como refere o estudo O Setor Cultural e Criativo em Portugal, as dinâmicas globais de mudança social permeam e são permeáveis à cultura. Com efeito, a estruturação crescente das sociedades em torno da informação e a percepção do valor a ela associado abriu espaço a desconstruções da antinomia histórica entre, por um lado, valores culturais e simbólicos e, por outro, valores econômicos e materiais. Na cultura, e o cinema em particular, tem vindo a operar-se uma mudança gradual de paradigma que tem como sinal visível aquilo que, no estudo acima mencionado, é descrito como uma interpenetração crescente da economia com a cultura: «A emergência da noção de ”economia cultural”, que acompanha a profunda transformação econômica das sociedades modernas, no quadro de processos competitivos e concorrenciais em fatores intangíveis, onde se situam muitos dos bens culturais e simbólicos, ganham, também eles, um papel cada vez mais relevante, implica o progressivo abandono daquelas visões mais limitadas, nos planos político, econômico e social e, por isso, também, no plano estatístico.

Na área da cultura, a permeabilidade ao olhar econômico tem resultado na incorporação de modelos de análise: veja-se a linha de análise e debate em torno da cadeia de valor, ou fileira, do cinema e do audiovisual, com os subsequentes debates em torno das problemáticas associadas à competitividade. O estudo realizado pelo Obercom em 2005 apresenta o estado da arte destas discussões, à data.

Porém, a polarização entre valor cultural e valor comercial dos bens culturais está longe de ter sido ultrapassada. A superação de polaridades discursivas e mesmo filosóficas passa necessariamente pela afinação de instrumentos de análise e reflexão sobre as dimensões menos visíveis, e mesmo intangíveis, da atividade.

Veja abaixo o Índice do Estudo:

Índice
Conhecimento da actividade cinematográfica em Portugal: importância, obstáculos, evoluções
Fraca visibilidade social da distribuição
Economia, sociedade e cultura – relações que a recessão revela
Monitorização da frequência de cinema em Portugal em contexto de recessão
Espectadores e receitas de bilheteira: evolução
Consumo de cinema, capital social e capital económico
Tendências na frequência de cinema em sala e reflexo nas receitas
Conclusões

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Publicado originalmente em OberCom (Investigação e Saber em Comunicação).