Cinema e Audiovisual em Perspectiva

Cinema e Audiovisual em Perspectiva

Aos Leitores*

Por Alessandra Meleiro

As premiações são um caminho para implantar diretrizes de política pública com eficácia, sendo um componente fundamental de defesa da produção intelectual sobre cinema e audiovisual.

Todo ato de premiar implica em um exercício institucionalizado e comparativo de juízo estético e cultural, e estas instâncias de consagração acabam por contar com um significativo conjunto de informações que podem contribuir para diagnosticar situações, desenhar políticas e planejar ações futuras.

Nesse sentido, as pesquisas inscritas na primeira edição do Prêmio SAV para Publicação de Pesquisa em Cinema e Audiovisual (2009-2010), realizado pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura e Instituto Iniciativa Cultural, e o Programa Rumos Pesquisa: Gestão Cultural 2007, do Instituto Itaú Cultural, funcionam como um termômetro da maturidade dos estudos de cinema e audiovisual no Brasil.

O artigo “O incentivo à pesquisa como política pública para o audiovisual”, de Kátia Maciel, aponta para uma renovação em curso nos estudos de cinema e audiovisual no país, seja pela presença de abordagens sobre vídeo-arte e televisão digital, seja por contribuições ao debate sobre a comercialização e a sustentabilidade do filme nacional, no contexto da economia da cultura. As pesquisas apresentadas ao I Prêmio SAV vão além da importante tradição de reflexões com base em análises fílmicas e pesquisas sobre autores e filmografias, demonstrando um produtivo diálogo entre diferentes áreas do conhecimento.

Hadija Chalupe, premiada na categoria Dissertação de Mestrado pelo Prêmio SAV 2009-2010, no artigo “Modelos de Distribuição do Filme Nacional” detalha as diferentes formas de disponibilização do produto cinematográfico nas salas de exibição, propondo um estudo comparativo das formas de inserção do filme nacional no mercado brasileiro.

Premiado na categoria Pesquisa Independente pelo Prêmio SAV 2009-2010, Leandro Valiati, no artigo “Cinema e Economia da Cultura: conhecimento do mercado pavimentando o caminho da sustentabilidade” defende que a Economia da Cultura poderia contribuir para a compreensão do mercado de cinema brasileiro, a partir de dados estatísticos confiáveis e da construção de indicadores de acompanhamento.

Valiati propõe a formulação de um mecanismo de análise para compreender a conjuntura econômica do mercado de cinema, apresentando, mais especificamente, indicadores sobre o mercado de cinema do Rio Grande do Sul. Dá, portanto, um passo fundamental para a consolidação de instrumentos de gestão e coordenação de políticas.

O programa Rumos Pesquisa: Gestão Cultural revela também uma tentativa de se pensar uma área de ação em termos estratégicos e de longo prazo. Dois estudos selecionados no programa Rumos Pesquisa: Gestão Cultural 2007 contribuem fortemente para o tema desta edição, através dos artigos “Para entender a retomada: Cinema e Estado no Brasil nos anos 1990”, de Melina Marson, e “Uma tese do começo ao fim”, de Anita Simis.

Melina Marson analisa o cinema da Retomada, percebendo-o como o mais recente ciclo da história do cinema no Brasil, surgido graças a novas condições de produção que se apresentaram a partir da década de 90. A elaboração desta política cultural específica para o cinema alterou as relações no campo cinematográfico e exigiu novas formas de relacionamento com o Estado, na tentativa de viabilizar a manutenção da produção cinematográfica no país.

Também privilegiando o aspecto político institucional, Anita Simis retoma sua tese de doutorado intitulada Estado e Cinema no Brasil, procurando demonstrar a existência de dois momentos distintos das relações entre Estado e cinema: o período autoritário e o período democrático.

Dessa forma, o Prêmio SAV e o programa Rumos Pesquisa: Gestão Cultural revelam que uma política cultural que vise efetivamente o desenvolvimento do cinema e do audiovisual deve, necessariamente, incluir em seu escopo de atuação o fomento à produção do conhecimento – além, é claro, do apoio à cadeia produtiva.

Importante salientar que nem todas as formas de expressão audiovisual mantêm relações com o Estado: algumas, por serem menos institucionalizadas, são menos difundidas e carecem de mecanismos de fomento. Trata-se do cinema experimental – o cinema de vanguarda, o cinema de autor, o cinema de artista e todas as vertentes da videoarte – que merecem um projeto de gestão específico. Este argumento é defendido por Roberto Moreira em “Caminhos experimentais – gestão cultural em cinema e vídeo”.

Moreira analisa como o Instituto Itaú Cultural, através do Núcleo de Audiovisual, desenvolveu uma gestão orientada para o incremento de atividades focadas na produção experimental de cinema e vídeo com o objetivo de dar visibilidade a uma produção artística e experimental de excepcional qualidade e que encontra pouco espaço de disseminação e difusão no país. 

Além da consolidação do nicho do experimental, os projetos desenvolvidos serviram para a aquisição de conhecimentos administrativos, como o licenciamento das obras, a organização de uma rede de parceiros para a itinerância dos projetos, e prática para lidar com questões legais, como o Direito Autoral.

A complexidade da discussão sobre Direitos Autorais – um assunto estratégico para a cultura brasileira – é abordada na entrevista de Leandro Mendonça com Marcos de Souza, um dos responsáveis pela condução da reforma da Lei do Direito Autoral (LDA).

A entrevista abrange temas como a atual consulta pública do MINC sobre a LDA – já que a revisão de seu marco legal é urgente por não permitir avanços nos desafios colocados pela digitalização – o contexto internacional das legislações autorais, as temáticas do equilíbrio entre os interesses envolvidos, o audiovisual, as limitações das legislações autorais e o uso livre.

Para Marcos de Souza, a proposta parte da premissa de que o Estado deve retomar seu papel no campo autoral, corrigindo distorções que a lei vigente criou ao destituir o poder público de meios adequados para atuar na regulação deste campo.

Newton Cannito, assim como Marcos de Souza, acredita que o governo deve atuar apenas na regulamentação e na correção dos rumos do mercado, de forma pontual.

A contribuição do atual Secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura a esta revista encontra-se no artigo “A Televisão na Era Digital: políticas, interatividade, convergência e novos modelos de negócio”.

O artigo traz proposições de ações que podem ajudar a transformar a televisão brasileira, garantindo seu pleno desenvolvimento na era digital. Para isso, analisa como se posicionam os players no mercado e como é organizado o modelo que define as relações entre televisão pública, emissoras comerciais, poder público, espectadores, produtores independentes e artistas criadores.

Publicações que tratem das ferramentas necessárias para o entendimento das estratégias comerciais dos players privados, e de como a compreensão destas práticas é um requisito essencial para a formulação de políticas públicas para o setor são analisadas por Belisa Figueiró e Alessandra Meleiro. Importante salientar a quase inexistência de referências bibliográficas em língua portuguesa que tratem destas perspectivas.

O autor Luís Angerami, em “Formação de Público e Cineclubismo”, também parte da observação atenta do contexto nacional para pavimentar o caminho que levou à formulação de políticas públicas para o elo da exibição, como o programa “Cinema Perto De Você” e o “Cine Mais Cultura”.

Dada a insuficiência de salas de cinema no país, bem como a inexistência de uma política pública permanente voltada à formação de público, estas ações do governo federal dão importantes passos no sentido de aproximar a população brasileira da produção nacional.

Os dois programas citados por Angerami foram implementados no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Silvio Da-Rin, que esteve à frente da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura entre nov/2007- abr/2010, no artigo “Dez anos de Políticas Públicas para o Audiovisual Brasileiro” concorda com Angerami de que há pouco significado no investimento de recursos públicos para a realização de obras audiovisuais se a sociedade não puder ter acesso a esses títulos.

Da-Rin apresenta relevante análise sobre a arquitetura institucional governamental para o setor: quase dez anos após a entrega à Presidência da República do Sumário Executivo do Grupo Executivo de Desenvolvimento da Indústria do Cinema (Gedic) – SAV e Ancine ainda carecem de articulação mínima entre suas ações.

O artigo revela também que os entraves diagnosticados em janeiro de 2001pelo Gedic pouco se alteraram. Na época, o Gedic resumiu os fatores limitadores ao crescimento do setor em três principais gargalos: falta de penetração do produto cinematográfico brasileiro nos mercados complementares; reduzido número de salas de exibição; e, o mais grave, falta de articulação entre produtores, distribuidores e exibidores.

Assim como Da-Rin, Gustavo Dahl, em seu artigo inédito escrito em 1999, “Questões de base” , detém-se nos problemas estruturais que impediram – e impedem – o desenvolvimento da indústria cinematográfica e audiovisual nacional.

A epígrafe, não por acaso, traz Roberto Campos que, em sua autobiografia “A lanterna na popa” aponta para a necessidade de iluminar o passado, a memória, para, então, pensar o futuro. Inovar, olhar para frente, demonstrando a necessidade de se formular novos modelos de negócio para o setor. Momento propício, já que estamos às vésperas do 8º Congresso Brasileiro de Cinema e Audiovisual, e da próxima eleição presidencial.

Boa leitura.

*Faça o download e confira na íntegra a edição nº 10 da revista Observatório Itaú Cultural, que foi realizada em parceria com o Instituto Iniciativa Cultural e a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura.