O cinema brasileiro mira o exterior

O cinema brasileiro mira o exterior

Por Márcio Rodrigo

No último fim de semana de setembro, durante a Reunião Especializada de Autoridades Cinematográficas e Audiovisuais do Mercosul (Recam), durante o Festival do Rio, o Ministério da Cultura (Minc) anunciou a criação do programa “Mercosul Audiovisual”, em parceria com a União Européia (UE). O acordo, que visa estreitar por meio da injeção de € 1,8 milhão as co-produções audiovisuais entre os países ligados ao Mercosul com os do bloco europeu, é apenas o início de uma nova política forjada pelo governo federal, que tem por fim uma maior penetração de produtos culturais brasileiros no exterior.

Enquanto o Minc, por meio de sua Secretaria do Audiovisual (SAV) trabalha para a implementação do programa – que deve estar em funcionamento já em 2009 -, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), por sua vez, realizará na segunda quinzena de novembro, em Madri, a primeira edição do projeto Talento Brasil, cujo maior objetivo é a divulgação da indústria do entretenimento brasileira no exterior. Para isto, a agência fará um investimento total de R$ 4 milhões no novo programa.
Além de privilegiar nossa produção audiovisual, a nova ação da Apex promoverá áreas como o setor editorial, o musical e, inclusive, o publicitário, que tem um nível de excelência notório, atestado pelos inúmeros prêmios que ganha em eventos mundo afora, como no tradicional Festival de Cannes.

“A Apex já trabalhava, separadamente, projetos que visavam promover a TV, o Cinema, a música e outras manifestações culturais do Brasil no exterior”, diz Márcia Gomide, gestora de projetos da Unidade de Imagem e Acesso a Mercados da agência. A diferença é que agora as ações serão mais orquestradas para posicionar os produtos culturais brasileiros lá fora.

No mês passado, durante o último Festival de Cinema de Toronto – evento em que o Brasil participou com quatro filmes, entre eles o aguardado “Última Parada 174”, novo longa de Bruno Barreto -, a Apex fez uma prévia do que deverá ser o Talento Brasil na Espanha. Organizou um coquetel e convidou 300 pessoas, entre produtores, distribuidores e outros profissionais ligados ao mundo do cinema. “O evento foi um sucesso. Convidamos trezentas pessoas e 275 compareceram”, diz Márcia, usando a presença maciça como prova do interesse de pessoas do mercado estrangeiro pelas produções brasileiras.Já com um certo know-how para promover a exportação de cultura para o exterior – hoje a agência tem parcerias que investem aproximadamente R$ 28,5 milhões neste setor – a Apex decidiu apostar no início do Talento Brasil na Europa por acreditar que, para os produtores brasileiros, o Velho Continente “é o ponto de partida” para quem quer internacionalizar a produção e efetuar negócios.

“De certa maneira, para os produtores de TV, publicidade e cinema, a Europa já é interessante”, afirma Márcia. A observação da gestora procede. Feiras como a Mipcom, realizada duas vezes por ano em Cannes, por exemplo, têm sido uma vitrine cada vez mais importante para que produtoras de TV do Brasil efetivem vendas para o mercado europeu.

Se os produtos gerados pela TV, até pelo alto nível de industrialização que atingiu no País, estão melhor encaminhados quando o assunto é exportação, o mesmo não se pode dizer do cinema brasileiro. Estima-se que hoje existam no Brasil 170 longas-metragens prontos ou em produção, segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine). Isto para um mercado que, conforme dados da Filme B, teve pouco mais de 6% dos bilhetes vendidos nas salas de cinema no primeiro semestre deste ano, abocanhado por filmes brasileiros.

Com um circuito exibidor que hoje não tem mais do que 2 mil salas – sendo que a maior parte delas quase sempre está maciçamente ocupada por filmes hollywoodianos – sobra aos realizadores brasileiros muito pouco espaço para a exibição de seus filmes no circuito de seu próprio País.

A situação levou cineastas, produtores e responsáveis do âmbito governamental brasileiros a chegarem a mesma conclusão que o então presidente Fernando Henrique Cardoso chegou em seu último mandato: exportar ou morrer. Este foi, por exemplo, o mote dos debates ocorridos durante o último Festival de Cinema de Gramado, em agosto, onde cineastas da velha e da nova gerações repetiram, quase como um mantra, a importância do mercado estrangeiro para a melhoria da performance comercial dos filmes brasileiros.

Nomes como Fernando Meirelles já perceberam isto há muito. As co-produções internacionais da O2, produtora do diretor de “Cidade de Deus”, por exemplo, permitiram que ele realizasse filmes como “O Jardineiro Fiel” (2005) e, mais recentemente, “Ensaio sobre a Cegueira”.

Além de ter a sua disposição um orçamento de US$ 25 milhões para adaptar para o cinema a obra de José Saramago – um valor impensado para a produção de um filme feito com recursos das leis de incentivo fiscais brasileiras -, a parceria de Meirelles também garantiu a distribuição do filme pela poderosa Fox. Resultado: além de vender quase 630 mil ingressos no Brasil até o momento, o filme teve sua estréia garantida não apenas aqui, mas em países como Estados Unidos, Canadá e Japão, onde o longa deve estrear em novembro.

“Uma co-produção assegura que o filme brasileiro entrará em pelo menos mais um país”, observa Cláudia da Natividade, produtora do filme “Estômago”, dirigido por Marcos Jorge. “Também existe a vantagem adicional, em caso de parcerias européias, de se conseguir um certificado de nacionalidade europeu, o que pode facilitar a venda ao mercado internacional”, explica a produtora.

Para realizar “Estômago”, estrelado por João Miguel, ela e Jorge aproveitaram que haviam trabalhado muitos anos no mercado italiano e fecharam uma co-produção com o País da Bota, um lugar, aliás, onde o Brasil tem parcerias assinadas na área desde o início da década de 70. “A co-produção nos possibilitou transformar um filme de baixo orçamento em um filme ‘médio’, permitindo-nos assim atingir uma qualidade técnica e o standard internacional necessário para a comercialização fora do Brasil”, afirma Cláudia. A primeira experiência dela com o mercado internacional foi tão positiva, que ela costura agora um acordo com os franceses para a produção do segundo longa-metragem de Marcos Jorge, batizado de “Dois Seqüestros”.

“A política de co-produção que vamos implementar a partir de agora não visa apenas aumentar o investimento nas produções brasileiras, mas também ampliar as possibilidades de mercado para os filmes produzidos aqui”, afirma Silvio Da-Rin, secretário do Audiovisual, explicando que a nova postura do governo sobre o assunto deverá se transformar, em pouco tempo, numa política de Estado.

Devido a uma política interna cultural baseada nos incentivos fiscais desenvolvida desde os anos 90, o País “ficou parado” nas questões de co-produção, lembra Da-Rin. Parcerias do Minc com a Apex visam, agora, minimizar este atraso em programas como o Cinema do Brasil e o Brazilian TV Production, desenvolvido com a Associação Brasileira de Produtoras Independentes de TV (Abpi-TV).

No caso do novo acordo firmado com a UE, €1,5 milhão deverá vir dos países do Velho Continente e €360 mil de países do Mercosul, já que a parceria prevê que todos os países do bloco sul-americano sejam contemplados pela nova política.

O acordo, no entanto, não almeja apenas o incentivo à co-produções. Também deverá ocorrer, além da capacitação de profissionais da área audiovisual, a fundação do Observatório do Mercosul do Audiovisual (OMA) e a criação de uma rede de 30 salas digitais nos atuais países membros do Mercosul. “A Ancine provavelmente cuidará do OMA, cujo objetivo é criar uma rede de dados do mercado cinematográfico de cada um dos países envolvidos no projeto. Já Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai deverão ganhar, em média, seis a oito salas digitais em 2009”, afirma o secretário do Audiovisual brasileiro.

O objetivo, segundo ele, “é uma maior integração dos países do Sul”. Venezuela, Chile e Bolívia, que hoje são países convidados, mas ainda não integram oficialmente o bloco, também poderão se beneficiar do projeto. Uma boa notícia, principalmente se levado em conta que dificilmente os países sul-americanos têm acesso às cinematografias uns dos outros (ver box nesta página).

No caso dos produtores brasileiros, o governo também está tomando uma série de medidas que visam facilitar a inserção do cinema brasileiro no mercado internacional, garante Da-Rin. “Uma das decisões tomadas na última Recam, no Rio, foi a criação de grupo interministerial para resolver questões ligadas à produção cinematográfica que extrapolem os limites do Ministério da Cultura”, afirma o secretário. O novo grupo deverá contar, além do Minc, com participantes dos ministério da Fazen-da, da Justiça, do Trabalho e das Relações Exteriores.

Se a nova política dará certo e se consolidará, somente o tempo irá responder. Apesar de atender a uma reivindicação nascente de produtores e realizadores brasileiros, políticas de co-produção não dão conta dos gargalos do nosso mercado interno de distribuição e exibição. E neste vespeiro, que envolve diretamente os interesses de majors norte-americanas, definitivamente o governo brasileiro ainda não mexeu.

FONTE
Jornal: Gazeta Mercantil/Fim de Semana – Pág. 8
Data: São Paulo, 10 de Outubro de 2008
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