Por um cinema mais comercial

Por um cinema mais comercial

Por Alessandra Meleiro, de Londres

A repercussão dos filmes latinos no Reino Unido, como o brasileiro “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles, e o mexicano “E Sua Mãe Também”, de Alfonso Cuarón, levou a que instituições culturais públicas e privadas intensificassem a aproximação com o universo cultural latino-americano, seja por meio do apoio às produções cinematográficas, em acordos de co-produção, seja pela presença de filmes latinos na Inglaterra em festivais e mostras.

Entre as mais importantes produtoras locais que buscam promover a indústria cinematográfica, encontra-se a Buena Onda Films. O diretor criativo da empresa, Donnald Ranvaud foi responsável pela coprodução de “Cidade de Deus” e “O Jardineiro Fiel”, de Fernando Meirelles, “Central do Brasil”, de Walter Salles, entre outros brasileiros de grande prestígio e boas bilheterias.

A Buena Onda Films atua em diferentes frentes, na América Latina e Europa: na produção e venda de filmes latinos, na tentativa de alcançar um crescimento e desenvolvimento sustentável do chamado world cinema e no apoio à criação de políticas para o audiovisual na Europa, como o “European Script Fund”, parte do Programa Media da União Européia.

Apesar de tais iniciativas e do aumento da colaboração internacional, muitos profissionais europeus discordam das recomendações do Programa Media de adotar métodos de produção americanos. Pesquisa feita na França e na Itália pelo acadêmico Eric Dubet mostra que jovens diretores que têm uma ideologia direcionada ao mercado ainda são uma minoria. A maioria se vê mais como artista do que “produtor criativo” e acredita que sua criatividade deveria ser avaliada apenas por suas qualidades expressivas.

Recentes mudanças, porém, sugerem que os negócios da indústria audiovisual na Europa parecem estar colocando mais ênfase na etapa do desenvolvimento do projeto. Instituições como o Centre National de la Cinématographie, na França e o Film Council no Reino Unido, aumentaram o investimento em fundos para o desenvolvimento e, hoje, uma nova geração de criativos europeus dá mais importância às etapas de pré-produção e desenvolvimento de roteiro. O objetivo claramente é: fazer com que os filmes sejam também sucessos comerciais.

Veja a seguir os melhores trechos da entrevista exclusiva de Cyril Mégret, diretor de desenvolvimento de negócios da Buena Onda, ocorrida em Londres.

Gazeta Mercantil – O apoio para filmes no Reino Unido vem de uma grande variedade de fontes – UK Film Council, agências de apoio à exibição regional, televisão e fundos de investimentos, por meio de uma visão integrada de políticas para o audiovisual. E quanto à América Latina?

Cyril Mégret – Não é o melhor negócio lidar com financiamentos públicos e há três razões para isso: Primeiro demanda tempo e energia que seriam melhor aplicados se o financiamento fosse privado, o que mantém o projeto sob controle. Segundo: nossos filmes são de baixo orçamento e recorremos aos apoios estatais locais quando nossos parceiros latino-americanos dominam este processo, mas isto não é um pré-requisito. E por último, o financiamento que conseguimos por meio dos fundos latino-americanos representa apenas um plus para a produção, não são muito significativos.

Gazeta Mercantil – Dentro de pouco tempo, coproduções da Buena Onda, como o filme porto riquenho “Maladies of Love” (“Maldeamores”), o mexicano “Cochochi” (“Cochochi”) e o brasileiro de Philippe Barcinski “Not by Chance” (“Não por Acaso”), vão estrear. O que leva Buena Onda a acreditar no potencial destes longas?

C.M.- No Reino Unido há pelo menos cinco produtoras que trabalham com filmes latino-americanos – e nós somos a principal. Na França, EuropaCorp, de Luc Besson, é a que mais investe em filmes brasileiros. O que tem atraído estas empresas é o sucesso, não apenas comercial, mas também criativo destas cinematografias, como ao explorar elementos da realidade social extrema, contrastes sociais, a violência. E ainda as peculiaridades da narrativa, já que os países da América Latina têm algo muito distinto da Europa: a tradição oral. É uma missão de Don Ranvaud (diretor criativo da Buena Onda) revelar transnacionalmente este world cinema de territórios subexplorados.

Claro que isto integra uma visão estratégica que considera o sucesso comercial de filmes latinos e, ao mesmo tempo, uma forma de atuar fora do Reino Unido, onde os custos são muito altos.

Gazeta Mercantil – A Buena Onda criou uma nova escola de cinema em Cochabamba, Bolívia. E fez uma primeira incursão na Ásia, onde implantará uma escola de cinema no Butão. Por que?

C.M.- Na Inglaterra não existe formação específica em film business que permita a visão do processo de realização cinematográfica como um todo. Um negócio tão complexo quanto o que apresenta esta indústria exigiria uma comunicação e entendimento real entre produtores, distribuidores e exibidores. Infelizmente, as pessoas não estão preparadas para fazer um plano de marketing; e no mercado latino-americano ou asiático, menos ainda. A implantação das escolas vem ao encontro ao nosso desejo de que os projetos feitos nesses países respondam a perguntas simples de adequação ao mercado. Como trabalhamos como agentes de vendas e conhecemos o mercado mundial, sabemos como ele reagirá a certo produto. Estimativas nos permitem prever se o filme irá funcionar. A partir daí, podemos planejar os passos seguintes, para que o distribuidor trabalhe com o filme, como, por exemplo, saber como o filme deveria ser feito, quanto deveria custar, e como poderíamos obter financiamento.

Gazeta Mercantil – Os principais objetivos do Programa Media II, da Comissão Européia, era expandir investimentos no estágio de desenvolvimento do projeto e orientar produtores para que abandonassem projetos pouco viáveis comercialmente. Como é feita a análise da viabilidade com filmes latinos?

C.M. – Os orçamentos dos filmes latinos variam muito. Nos filmes de baixo orçamento feitos com a Bolívia, uma média de U$ 50 mil, e em produções maiores com o Brasil, uma média de U$ 1,5 milhão. A porcentagem de retorno oscila de 3 a 15%. Felizmente, os ganhos maiores permitem cobrir os gastos com filmes de menor retorno, mas os riscos poderiam ser minimizados se houvesse mais investimento no desenvolvimento. Creio que o poder público deve estar envolvido na etapa do desenvolvimento. Toda a indústria audiovisual está alicerçada no que espera o mercado. Se o filme é local demais pode haver problemas em traduzi-lo para públicos internacionais. Então, é melhor o produtor avaliar cuidadosamente o que quer o distribuidor.

Gazeta Mercantil – E o que quer o distribuidor?

C.M. – Se um filme tem sucesso de público, como o mexicano “Amores Perros”, de Alejandro González Iñarritu, e o brasileiro “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles, todos os distribuidores passam a querer filmes mexicanos e brasileiros.

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FONTE

Publicado originalmente em Dezembro/ 2006 no jornal Gazeta Mercantil, Fim de Semana, São Paulo, 5-7/dez., pp. 6