Rádio educativo no Estado de São Paulo: o ideal e o real

Rádio educativo no Estado de São Paulo: o ideal e o real

Por Irineu Guerrini Jr.

Existem cerca de trezentas e cinqüenta emissoras de rádio educativo no Brasil, e destas, cinqüenta e cinco localizam-se no Estado de São Paulo (janeiro de 2007). São mantidas por universidades públicas e privadas, prefeituras e fundações laicas e religiosas. Qual deveria ser o papel dessas emissoras, segundo alguns princípios de educação e de modernos conceitos de rádio e televisão públicos, tomados como ideais, neste trabalho, para emissoras sem fins lucrativos? Elas cumprem as determinações legais que se aplicam à radiodifusão educativa no Brasil? Algumas emissoras serão tomadas como casos exemplares e sua programação analisada. Na grande maioria das cinqüenta e cinco emissoras, a distância entre o ideal, como compreendido neste trabalho, e o real é enorme.

1- O que é rádio educativo?

A palavra “educar” origina-se do verbo latino duco, que significa “conduzir”: o professor, numa concepção tradicional “conduz” o aluno com vistas à sua integração na sociedade. Mas um conceito mais moderno de educação, como o de Paulo Freire, vai mais adiante: supera-se a relação vertical, estabelecendo-se uma relação dialógica. O educador já não é aquele que apenas educa, mas o que, enquanto educa, também é educado. E a finalidade dessa relação já não é apenas integrar o educando na sociedade, mas transformá-la, através de um conhecimento reflexivo e crítico.   Quantas emissoras de rádio educativo cumprem esse papel, o que implica, entre outras coisas, uma comunicação em duas mãos?

Num estudo de janeiro de 2002, feito por Bernardo F.E. Lins, consultor legislativo da Câmara dos Deputados, o autor, incluindo tanto o rádio como a televisão, lembra que entre as funções usualmente atendidas pelas emissoras públicas e alternativas incluem-se:

(i) divulgação independente de fatos e procedimentos de caráter público e governamental;
(ii) divulgação de programação de elite, que encontraria pouco espaço na grade das emissoras comerciais, tal como programas voltados a temas eruditos, à cultura clássica, à divulgação científica, a debates, análises e estudos de caso;
(iii) divulgação de programação educativa e de ensino à distância;
(iv) divulgação de programas locais, de cultura popular e de atividades comunitárias;
(v) veiculação de programas experimentais.

Mais recentemente, e referindo-se a outro veículo, tem-se disseminado no Brasil o conceito de “televisão pública”, como no livro Televisão pública: do consumidor ao cidadão, organizado por Omar Rincón e publicado em dezembro de 2002, – mas a origem desse conceito vem do rádio, quando a BBC britânica, ainda nos anos vinte, e contando somente com o rádio, instaurou o modelo “público”. Parece válido, então, resgatar, mais do que estender, o conceito para o rádio, e tentar definir o que é rádio público:

– Em primeiro lugar, o controle da emissora, ainda que indireto, não é do Estado nem de um grupo particular, mas da sociedade civil organizada, por meio de seus representantes num conselho;
– O ouvinte não é um consumidor, mas um cidadão, com todos os direitos e deveres que essa condição implica;
– A finalidade da emissora não é obter lucro, mas produzir programas de utilidade social, com uma visão reflexiva, crítica e transformadora.

2. Leis e políticas

Um documento legal vigente assim define, em seu artigo 1º, os programas educativo-culturais:

Art. 1º – Por programas educativo-culturais entendem-se aqueles que, além de atuarem conjuntamente com os sistemas de ensino de qualquer nível ou modalidade, visem à educação básica e superior, à educação permanente e formação para o trabalho, além de abranger as atividades de divulgação educacional, cultural, pedagógica e de orientação profissional, sempre de acordo com os objetivos nacionais.
O artigo acima faz parte da Portaria Interministerial nº 651, de 15 de abril de 1999, baixada pelos Ministérios da Educação e das Comunicações. Mas o artigo seguinte desse mesmo documento formaliza o que há já vinha sendo praticado há dezenas de anos, e talvez tenha tranqüilizado de uma vez por todas as emissoras de rádio e televisão quanto às suas obrigações educativas e culturais:

Art. 2º – Os programas de caráter educativo, informativo ou de divulgação desportiva poderão ser considerados educativo-culturais se nele estiverem presentes elementos instrutivos ou enfoques educativo-culturais identificados em sua apresentação. Na prática, o artigo acima da Portaria Interministerial instaura um verdadeiro “vale-tudo”, pois sempre haverá uma maneira de classificar qualquer programa de rádio ou de televisão como “instrutivo” ou “educativo-cultural”. Assim, pode-se obter a outorga de uma freqüência de rádio ou tv educativos, e depois de obtê-la, colocar no ar uma programação de emissora comercial, que obtém lucro com a veiculação de comerciais. Isso realmente acontece em muitas emissoras educativas. Outro aspecto a ser considerado é a política de outorga de concessões para emissoras educativas.  O Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967 (governo Castello Branco) previa em seu artigo 14 (cuja interpretação foi estendida para o rádio):

Art. 14. Somente poderão executar serviço de televisão educativa: a) a União; b) os Estados, Territórios e Municípios; c) as Universidades Brasileiras; d) as Fundações constituídas no Brasil, cujos Estatutos não contrariem o Código Brasileiro de Telecomunicações.
Parágrafo 1. As Universidades e Fundações deverão, comprovadamente, possuir recursos próprios para o empreendimento.

Parágrafo 2. A outorga de canais para televisão educativa não dependerá da publicação do edital previsto no artigo 34 do Código Brasileiro de Telecomunicações.
Mas há uma diferença fundamental entre a outorga de freqüências para emissoras comerciais e para finalidades educativas: a obrigação de licitação pública para as primeiras e não-obrigação dessa licitação para as segundas. E freqüentemente, as outorgas vão para instituições, como universidades e fundações, ligadas a políticos. Em 25 de agosto de 2002, a Folha de S. Paulo publicava uma matéria com o título: “FHC distribuiu rádios e TVs educativas para políticos”, na qual afirmava:

Ele [o presidente] acabou com a distribuição política das emissoras  comerciais, tornando obrigatória a venda de concessões por licitação pública. Mas deixou uma porta aberta para a negociação política: as emissoras educativas continuaram sendo concedidas pelo Executivo. Em sete anos e meio de governo, além das 539 emissoras comerciais vendidas por licitação, FHC  autorizou 357 concessões educativas sem licitação.

Em seguida, o jornal relata uma série de casos de concessões feitas a políticos. Em princípio, a não-obrigatoriedade de licitação poderia ser justificável quando se trata de emissoras educativas: já que não são comerciais, o que se deve analisar são os méritos da instituição que pleiteia uma freqüência, bem como seu projeto para a emissora. Mas fica evidente o uso político que se pode fazer – e realmente se faz – quando a concessão não depende de licitação pública. Entretanto, como veremos adiante, o principal ator político nessa prática não é o Presidente da República, mas o Congresso.

Outra questão importante é a possibilidade de veiculação de comerciais nas emissoras educativas. Refletindo a tendência às privatizações do governo federal da época, foi aprovada a Lei nº 9.637, de 15.05.98, referente ao Programa Nacional de Publicização. Vejamos o artigo primeiro e o artigo quinto dessa lei:

Art. 1º O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e a saúde, atendidos os requisitos previstos nesta Lei.

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, entende-se por contrato de gestão o instrumento  firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social,  com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de  atividades relativas às áreas relacionadas no art. 1º.

E também é muito importante para esta análise o artigo 19 da mesma lei:

Art. 19. As entidades que absorverem atividades de rádio e televisão educativa poderão receber recursos e veicular publicidade institucional de entidades de direito público ou privado, a título de apoio cultural, admitindo-se o patrocínio de programas, eventos e projetos, vedados a veiculação remunerada de anúncios e outras práticas que configurem comercialização de seus intervalos.  (grifo meu).

No que se refere a rádio e televisão, visava-se primordialmente à Fundação Roquette Pinto (mencionada na própria lei), até então uma fundação de caráter estatal, mantida com verbas federais. A FRP, com sede no Rio de Janeiro, que controlava a TV Educativa e a Rádio MEC, foi extinta e deu lugar a uma “organização social” – a ACERP – Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto .  Embora, em princípio, a lei visasse à Fundação Roquette Pinto, por extensão as suas determinações têm sido tomadas como modelo por todas as emissoras de rádio e televisão educativas do país, mesmo antes da regulamentação dessa lei, o que só aconteceu em março de 2005 (ver abaixo). Finalmente, em 21 de março de 2005, foi assinado, pelo Presidente da República, o Decreto nº 5.396, que regulamenta a lei acima e é aqui reproduzido:

Art. 1o  As organizações sociais que exercem atividades de rádio e televisão educativa podem receber recursos e veicular publicidade institucional de entidades de direito público ou privado a título de:

I – apoio cultural à organização social, seus programas, eventos ou projetos; e
II – patrocínio de programas, eventos ou projetos.
Art. 2o  A publicidade institucional poderá ser veiculada nos intervalos de programas, eventos ou projetos, bem assim nos intervalos da programação, conforme o que for estabelecido em prévio ajuste entre o patrocinador e o patrocinado.
Art. 3o  No caso de apoio cultural a determinados programas, eventos ou projetos, é facultada a indicação da entidade apoiadora no seu início ou fim.
Art. 4o  O patrocínio poderá estar vinculado a um determinado programa ou a uma  programação como um todo, a  um  determinado  evento ou projeto  ou  a  um conjunto de eventos ou projetos.
Parágrafo único.  O patrocínio de programas, eventos ou projetos permite, conforme prévio ajuste entre o patrocinador e o patrocinado, a divulgação de produtos, serviços ou da imagem do patrocinador no seu início, fim ou intervalos, bem como nos intervalos da programação ou de outros eventos ou projetos, desde que inserida nos seus respectivos anúncios.
Art. 5o  É vedada, nos termos do parágrafo único do art. 1º do Decreto n.º 4.799, de 4 de agosto de 2003, a publicidade institucional de entidades de direito público que, direta ou indiretamente, caracterize promoção pessoal de autoridade, servidor público, empregado público ou ocupante de cargo em comissão.
Art. 6o  É vedada às organizações sociais que exercem atividades de rádio e televisão educativa a veiculação remunerada de anúncios ou outras práticas que configurem comercialização de seus intervalos.
Art. 7o  A publicidade institucional veiculada por organizações sociais que exercem atividades de rádio e televisão educativa deverá observar o atendimento, exclusivamente, da finalidade social da atividade educativa e cultural da organização.
Art. 8o  Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação

Assim, de acordo com a regulamentação acima, permite-se que haja patrocínio de programas (com a veiculação de comerciais do patrocinador), proibindo-se, apenas, de acordo com o artigo sexto, a inserção pura e simples de comerciais nos intervalos de programação que não sejam dos próprios patrocinadores dos programas – o que na prática pode levar a uma mera distinção formal. Ou seja, nada impede uma emissora de assinar um contrato com possíveis interessados em veicular anúncios, atribuir o patrocínio de um programa a um desses interessados – o que satisfaz a determinação legal – e veicular seus anúncios nos intervalos como qualquer emissora comercial faria.

Mas o mais importante é que, de acordo com a legislação atual, para que uma emissora de rádio ou televisão, educativa ou comercial, possa funcionar, é necessário obter uma aprovação do Congresso. O percurso de uma solicitação para a abertura de uma emissora pode ser assim descrito, seguindo-se as fases do processo legislativo ordinário:

Em primeiro lugar, a entidade interessada encaminha um pedido ao Ministério das Comunicações, pleiteando uma freqüência. Esse pedido, acompanhado de alguns documentos, é analisado pelo Ministério e encaminhado pelo Ministro, através de uma portaria, ao Presidente da República. Este, normalmente, aprova o pedido, e encaminha-o para a aprovação pelo Congresso, de acordo com o artigo 49 da Constituição Federal:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional
XII – apreciar os atos de concessão e renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão.

O pedido é analisado pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, CCTCI, uma das 20 comissões permanentes da Câmara dos Deputados, constituída por quarenta deputados titulares e quarenta deputados suplentes. Uma vez aprovada em plenário – o que normalmente é – a solicitação vai então para o Senado – que normalmente também a aprova. Essa aprovação pelo Senado toma a forma de um “decreto legislativo”, isto é, um ato daquela casa que não precisa ser encaminhado para o Presidente da República para sanção ou veto, e que já entra em vigor assim que for publicado no Diário Oficial da União.

Deve-se lembrar que os controladores das emissoras de rádio e televisão, comerciais e educativas, são, muito freqüentemente, representantes de poderosos grupos locais (muitos deputados federais e senadores fazem parte desses grupos), além de vários setores da Igreja Católica (que detém grande número de canais de rádio e televisão comerciais e educativos) e que conta com boa bancada no Congresso, e as principais denominações evangélicas (idem), que também dispõem de um bom número de representantes no Legislativo federal.

3. Uma tentativa de avaliação das programações

As emissoras de rádio educativo possuem, na sua programação, uma maior autonomia que as de TV educativa.  Nestas, como os custos são muito mais altos, costuma haver uma boa porcentagem de programas produzidos pela TV Cultura de São Paulo ou pela TVE do Rio de Janeiro. Já nas rádios educativas, a programação costuma ser mais autônoma. O custo é muitíssimo menor – muitos programas são apenas seleções de discos. E há também aqueles que chegam gratuitamente do exterior, como da Deutsche Welle (emissora internacional da Alemanha), Radio Nederland (idem, da Holanda), Rádio França Internacional, BBC (Reino Unido) etc., como parte do empenho dos governos desses países em praticar uma “diplomacia pública”, isto é, comunicar-se diretamente com públicos de outros países, diferente da diplomacia tradicional, de relações entre governos.

Assim, nas emissoras de rádio educativo brasileiras, boa parte da programação é pouco elaborada porque se conta com poucos recursos; há programas de produção cara que vêm gratuitamente de fora; e atualmente são raras as co-produções entre as emissoras ou simples intercâmbio de programas, procedimentos  que poderiam combinar uma produção mais rica com uma diluição de custos. Será que apenas a autonomia da programação ou o seu caráter local justificam isso? A emissora brasileira X não retransmite um programa da emissora brasileira Y, mas um programa produzido no exterior, ou uma seleção de discos com um flashback de sucessos americanos dos anos oitenta (exemplo real) justifica-se?. Atualmente, no que se refere à programação, a maioria das emissoras de rádio pertence à categoria “musical”, exatamente pelos motivos expostos.

A programação das emissoras de rádio educativo também é, na sua maior parte, musical, com o uso de material fornecido pelas gravadoras – é a forma mais barata de manter uma emissora de rádio  no ar.

4. Alguns casos exemplares

Para todas as emissoras, adotaram-se os seguintes graus de avaliação, sempre segundo os critérios de Freire, Lins e Rincón, relacionados nas páginas 1 e 2: a) satisfaz totalmente os critérios adotados (nenhuma atingiu esse grau); b) satisfaz parcialmente os critérios adotados e c) não satisfaz os critérios adotados.

4.1 Uma emissora pertencente a uma universidade pública – Rádio USP
A Rádio USP foi criada em 1977, para ser um canal de comunicação entre a Universidade de São Paulo e a sociedade. Entretanto, nos seus primeiros anos, não passava de um “vitrolão” de certa qualidade, isto é, sua programação era constituída de uma sucessão de gravações musicais fornecidas pelas gravadoras, com o simples anúncio dos seus respectivos títulos, intérpretes e autores feitos por alguns locutores sem maior ligação com as músicas apresentadas. Atualmente, a maior parte da programação da emissora ainda tem essa característica: das 168 horas semanais (24×7) que a emissora fica no ar, cerca de 70% são preenchidos com uma programação musical sem nenhuma produção mais elaborada,  apenas com a identificação das músicas. Boa parte dessa programação é preenchida com música popular brasileira de certa qualidade mas,  atualmente (junho de 2008),  a emissora vem colocando  no ar um programa de dance music, com apresentação em estilo DJ (disc jockey), com uma hora de duração e com reapresentações no mesmo dia, ou seja, um total de quatorze horas no ar por semana.  Isso, numa emissora da Universidade de São Paulo! Os 30% restantes são programas que contam com uma produção mais trabalhada e/ou com apresentadores/produtores que possuem uma ligação mais estreita com o conteúdo do programa. Por exemplo, professores do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP que são responsáveis por alguns programas musicais que refletem as suas especialidades. A emissora de São Paulo é cabeça de rede, com retransmissoras nos campi de São Carlos e de Ribeirão Preto.
Áudio ao vivo e arquivo de programas disponíveis em www.radio.usp.br.
Avaliação: satisfaz parcialmente os critérios adotados (ver também Considerações Finais)

4.2 Uma emissora pertencente a uma fundação privada: 107 FM
Fundação Educacional e Cultural Pedrense – Itápolis

Uma medida das preocupações dessa fundação “educacional e cultural” com a função da sua emissora de rádio educativo é o texto sobre a história da emissora que consta no seu site. Alguns trechos, transcritos literalmente (Atenção, leitor: transcritos literalmente!):

A Rádio FM 107,7 de Itápolis, Surgiu de um sonho na década de 1980, de  dois jovens que sempre gostarão de  eletrônica, e em especial de Rádio- Freqüência…  Com o  Objetivo de Informar, Divertir, Anunciar as pessoas de  Itápolis, então começou as tão sonhadas transmissões, mais sem compromisso…todos queriam ouvir a então programação da “Rádio Radinho”, que era feita de  qual jeito mais sempre diferente das outras emissoras regulamentadas [sic].

O slogan da emissora também dá uma idéia da sua intenção: “O que você gosta de ouvir a gente gosta de tocar”. A sua programação não revela nenhuma preocupação com a condição de emissora educativa: nela se encontra o repertório musical mais banal e comercial, e o estilo de apresentação é idêntico ao de muitas emissoras comerciais, bem como a inserção de comerciais. No site pode-se saber quais são as “Top 10” (as dez mais tocadas) no programa “Ferveção”.

O site também reproduz algumas matérias do “Jornal 107 News”. As relações com o comércio local parecem ir muito bem, como se pode ver  nesta abertura de matéria do dia 12/12/06:
Aconteceu ontem a grandiosa inauguração da decoração de natal de Detalhes Presentes com uma grandiosa festa com distribuição de brindes para as crianças.O repórter Edson Jr conversou com Bernadete Bonini, uma das proprietárias da loja   e   tem  mais informações.

No site ficamos sabendo, também, das “Promoções 107”. Atualmente (dezembro de 2006) a emissora, juntamente com o jornal Toque News, lidera uma “Promoção” – da qual participam muitas lojas do comércio local – que sorteia prêmios todos os dias, e em janeiro, “um Fusca [usado?] lotado de prêmios”.

Assim como a Nova FM, cuja programação foi analisada acima, e como muitas outras emissoras ditas “educativas”, a 107 FM parece ser um empreendimento comercial que se valeu da possibilidade de, através da criação de uma fundação – as fundações são entidades que, por lei, não visam ao lucro – obter gratuitamente uma freqüência de emissora educativa e explorá-la comercialmente. E o ouvinte, como na maioria das emissoras educativas ou comerciais, não é visto como cidadão, mas simplesmente como consumidor.
Áudio disponível em www.radiofm107.com.br/
Avaliação: não satisfaz os critérios adotados.

4.3  Uma emissora mantida por entidade católica –   Rádio Boa Nova
Fundação Educacional e Cultural de Praia Grande – Diocese de Santos

A Rádio Boa Nova de Praia Grande é uma emissora que transmite uma programação religiosa. E aqui se coloca uma importante questão, que pode ser assim resumida:
a) O Estado brasileiro, desde a proclamação da República, é um estado laico. Ao menos legalmente, existe uma separação completa entre a Igreja (no caso, católica) e o Estado, algo herdado da Revolução Francesa.
b) Os critérios adotados neste trabalho para avaliação das emissoras educativas, que começam com o conceito de educação de Paulo Freire, passam pelos trabalhos de Bernardo Lins e Omar Rincón e recapitulam a legislação vigente, não contemplam o proselitismo religioso como a preocupação, central ou periférica, de uma emissora educativa.  O proselitismo religioso visa, de modo geral, a salvação individual – uma importante exceção é a Teologia da Libertação, nos últimos tempos em baixa, dada a orientação do Vaticano – enquanto que os princípios laicos de educação e de radiodifusão educativa passam pela transformação social.
c) As freqüências de radiodifusão são limitadas – o número de emissoras não pode ser ilimitado – e é o Estado quem delas dispõe e as concede segundo determinados princípios.
d) Sem dúvida, uma emissora educativa pode e deve tratar de temas religiosos, tão importantes em qualquer cultura. Mas sempre de forma pluralista, refletindo a composição da sociedade brasileira e o caráter laico do Estado que a representa, e que é a única entidade capaz de garantir a total liberdade religiosa.
e) Todas as emissoras educativas de orientação religiosa – católicas e evangélicas – fazem proselitismo religioso de forma maciça na sua programação. O que parece ocorrer é que, com o devido apoio político, e sempre que possível, é muito mais interessante obter uma freqüência de emissora educativa, sempre sem licitação. Em geral, as emissoras educativas religiosas retransmitem, em parte pelo menos, programação gerada por emissoras religiosas de status comercial – fica assim evidente a não especificidade da sua programação.
No site da emissora,  a sua Presidente, Maria Cristina Paula Rossi, conta como a freqüência foi conseguida. Ela informa que procuraram primeiro obter o parecer favorável do promotor local – no interior, os promotores locais também são curadores das fundações existentes em  suas jurisdições. O atual promotor ela chama de “padrinho”, o que parece uma intimidade indevida – como alguém que por determinação legal é o fiscal das fundações pode ser chamado de “padrinho” de uma delas?  Para os trâmites em Brasília, contaram com o apoio fundamental do deputado federal Salvador Zimbaldi (PSB). A presidente afirma: “sabemos que não foram tempos fáceis, muitas viagens a Brasília, São Paulo e Campinas [a base eleitoral do deputado], telefonemas dia e noite.”  Uma reunião final do deputado e representantes da Fundação com o Ministro das Comunicações fez com que este enviasse ao Presidente o pedido de concessão para que fosse aprovado.

O deputado Salvador Zimbaldi era (não é mais) um homem de confiança do grupo Canção Nova (rádio e televisão) mantido pela Fundação João Paulo II,  com sede na cidade de Cachoeira Paulista.  Diz o site Folha Online de 6 de agosto de 2006:

Homem de confiança da Canção Nova, Zimbaldi tem extensa folha de serviços prestados à causa católica: é ativo militante contra a legalização do aborto, a união  civil  de  pessoas  do  mesmo  sexo,  a  clonagem, a  eutanásia  e  a pesquisa  com  células-tronco.Defende ainda os interesses das entidades católicas, como a TV  Canção Nova.

O deputado também tentou impedir, sem êxito, a exibição do filme “O Código Da Vinci” e há 25 anos é membro da Movimento Católico Carismático. Mas as suas atividades parecem não se restringir à defesa desses princípios. Segundo o site já citado da Folha Online, estaria envolvido com o recente superfaturamento de ambulâncias fornecidas pelo Ministério da Saúde:
A prova mais eloqüente do envolvimento de Zimbaldi com a Planam [a empresa que superfaturou as ambulâncias] está no site da Canção Nova, que exibe fotos em que ele aparece com as chaves das ambulâncias entregues ao posto médico Padre Pinto [mantido pela Fundação João Paulo II] em 26 de março de 2004: o nome Planam está na lataria dos carros.

A Rádio Boa Nova de Praia Grande retransmite a Rede Milícia Sat das 22h às 05h50min, diariamente, e vários outros horários distribuídos pela programação (ver abaixo) juntamente com grande número emissoras. Gigantesca, a Rede Milícia Sat é mantida pela Associação Milícia da Imaculada, uma “associação de fiéis, pública e internacional de direito pontifício”, que possui 611 emissoras de rádio espalhadas pelo mundo, das quais detém o número maior no Brasil: 354 emissoras, a grande maioria delas de status comercial.  A emissora cabeça-de-rede é a Rádio Milícia da Imaculada de Santo André.

No site havia algumas discrepâncias entre a grade de programação semanal e as páginas que descrevem cada programa. Constava, por exemplo, que das 09h às 10h a emissora retransmite o programa “Momento da Fé”, com o popularíssimo Padre Marcelo Rossi. Uma ligação para a emissora constatou que isso é verdade, e não o que constava na grade semanal (Jornal e Clube do Ouvinte). Na mesma ligação, foi informado que o programa “Momento da Fé” era gerado pela rádio Canção Nova, de Cachoeira Paulista, e também é distribuído para muitas emissoras comerciais.

Transmite duas vezes por dia o programa PG Notícias – Noticiário Oficial da Prefeitura de Praia Grande. Curiosamente, inclui na sua programação de fim de semana uma produção humorística: Los Hermanus.
Áudio disponível em www.radioboanova.net
Avaliação: não satisfaz os critérios adotados.

4.4 Uma emissora mantida por entidade evangélica- Logos FM -Fundação

Logos –   Edições Jornalísticas e Radiodifusão –  São José dos Campos
Segundo informação telefônica, a emissora de São José é cabeça da Rede Amiga, da qual fazem parte a emissora Logos FM de Itatiba (também educativa), Rhema FM de Barão de Antonina/Itaporanga (comercial) e Torre Forte AM de Buritana (comercial) , todas no Estado de São Paulo. Fica prejudicada, assim, a especificidade das duas emissoras educativas. A programação é predominantemente evangélica interdenominacional e sempre proselitista: constam da grade programas da Igreja Assembléia de Deus (a denominação evangélica com maior número de fiéis); da Igreja do Evangelho Quadrangular; o programa “Palavra da Paz”, apresentado pelo ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho, da Igreja Presbiteriana Luz do Mundo, transmitido em rede por muitas outras emissoras; da Comunidade Cristã Fonte da Vida; da Igreja Batista; da Igreja Nova Aliança; da Igreja Mundial do Poder de Deus e da Igreja o Evangelho Deus Faz o Impossível. Um verdadeiro loteamento da grade da emissora!
As observações feitas para o caso anterior, de emissora católica, aplicam-se na sua totalidade às emissoras evangélicas.
Áudio disponível em www.radioamiga.com
Avaliação: não satisfaz os critérios adotados.
Finalmente, vale observar, também, que entre as emissoras evangélicas de status legal educativo, há uma emissora em Ourinhos e emissoras em Jundiaí e Louveira, da Fundação Evangélica Trindade (Renascer), que retransmitem a emissora comercial de São Paulo pertencente ao mesmo grupo, cujos diretores (donos?) continuam detidos nos Estados Unidos ( junho de 2008)  por  terem feito entrar ilegalmente no país uma soma elevada de dólares,  tendo também sofrido um processo na justiça brasileira por lavagem e desvio de dinheiro e sonegação de impostos.

Considerações finais

Ao final deste trabalho, algumas considerações finais podem ser assim resumidas:
1. A primeira delas é a de que as determinações legais referentes à radiodifusão em geral, e especialmente quanto à radiodifusão educativa, formam um emaranhado confuso, que inclui alguns artigos da própria Constituição Federal de 1988, ainda não regulamentados, remontam ao Código de Telecomunicações de 1962, que não foi revogado mas que em boa parte está superado na prática e por leis pontuais,  passa por uma legislação específica que é vaga e esparsa, permite a concessão de canais sem licitação, atribui ao Congresso, onde estão muitos interesses ligados à radiodifusão, o poder de autorizar concessões através de decretos legislativos, que têm valor de lei, e desemboca nas determinações mais recentes, que na prática possibilitam que as emissoras chamadas educativas disputem a veiculação de comerciais com as emissoras comerciais.
2. A segunda é a de que não é por falta de trabalhos que estabeleçam princípios de radiodifusão educativa, ou pública, que as emissoras dessa categoria deixam de cumprir o seu papel. Nesta pesquisa, além do conceito genérico de educação estabelecido por Paulo Freire, vali-me principalmente do texto de Bernardo Lins e do livro organizado por Omar Rincón. Com relação ao primeiro, deve-se observar que sendo o autor um consultor da própria Câmara dos Deputados (por onde passam as solicitações de concessão de freqüências), deve-se concluir que nenhum dos seus parlamentares pode alegar ignorância do assunto quando se trata de radiodifusão educativa. As atribuições que o autor entende como características do que deve ser a programação de uma emissora educativa, ou pública, se fossem seguidas à risca, já seriam suficientes para que o papel que se espera dessas emissoras fosse plenamente cumprido. Se essas atribuições se concentram na mensagem (ou seja, na programação), o livro organizado por Omar Rincón – Televisão pública: do consumidor ao cidadão – cujo teor pode ser estendido ao rádio, foi citado para o estabelecimento de princípios que se referem ao controle das emissoras públicas, que deve ser da sociedade civil organizada; dos direitos dos ouvintes e espectadores, que merecem ser tratados como cidadãos, mais do que consumidores e, voltando-se agora para a programação, afirma que ela deve ser crítica, reflexiva e transformadora.
3. Na prática, o que se conclui levando-se em consideração o comportamento de muitas emissoras educativas, é que elas não diferem, ou diferem pouco, das emissoras comerciais. O que ocorre é que, com a maior dificuldade estabelecida para a concessão de freqüências de uso comercial, muitos grupos interessados em obter concessões de radiodifusão simplesmente migraram para o setor educativo, cujas concessões continuam sendo obtidas de modo exclusivamente político, sem licitação. É como se esses grupos dissessem: “bem, agora é muito mais difícil obter um canal comercial; portanto, usando das nossas relações políticas, vamos obter um canal educativo, mas uma vez obtido, podemos explorá-lo de maneira comercial”.
4. Na maioria dos casos, os bons exemplos, senão de uma programação na sua totalidade, mas de programas isolados, estão na área das emissoras mantidas por entidades ligadas ao Estado. A maioria dos bons exemplos é constituída por  produções de emissoras como a Rádio USP, a Rádio Cultura de São Paulo, a Educativa de Piracicaba, a  Rádio Cultura de Amparo, e a Educativa de Campinas, todas vinculadas ao Estado ou às prefeituras de suas cidades. Em outras palavras, nem tudo o que é patrocinado pelo Estado se aproxima do ideal, mas quase sempre, nos casos em que isso acontece,  ocorre na esfera que é apoiada pelo Estado.
5. No outro extremo, como verdadeiras aberrações, estão muitas emissoras mantidas por fundações privadas. O que foi afirmado acima, quanto ao comportamento comercial das emissoras, encontra as melhores ilustrações nessa categoria, como o da 107 FM, de Itápolis. Essas emissoras, que são muitas, não se distinguem em nada das emissoras comerciais; não demonstram nenhuma preocupação educativa ou cultural.
6. O quadro geral é desolador, e muito difícil de ser mudado. As mudanças possíveis passam por uma melhoria na qualidade ética daqueles que compõem o Congresso – e os fatos mais recentes apontam exatamente na direção contrária. Passam, também, por iniciativas da sociedade civil organizada: se os ouvintes (e espectadores) são cidadãos, que têm um Estado a representá-los, e se é o Estado que dispõe das freqüências e deveria fiscalizar a atividade dessas emissoras, nada mais justo que cidadãos organizados exijam uma mudança de atitude do Estado. Se esse trabalho servir, ainda que modestamente, como contribuição para uma única iniciativa desse tipo, o seu autor já estará plenamente satisfeito.

Principais Referências bibliográficas
Livros:
FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio: o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2000.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
McLEISH, Robert. Produção de Rádio: um guia abrangente da produção radiofônica.
São Paulo: Summus Editorial, 2001.
PINHO, Rodrigo César Rebello. Da organização do estado, dos poderes e histórico das constituições. Vol. 18, 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003.
ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito administrativo, vol. 19, 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004
MOREIRA, Sônia Virgínia. O rádio no Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora, 1981.
RINCÓN, Omar. Televisão pública: do consumidor ao cidadão. São Paulo: Friederich Ebert Stiftung, 2002.

Periódicos:
FOLHA DE SÃO PAULO, São Paulo: Empresa Folha da Manhã, 28 de agosto de 2002.
O MILITE, Santo André: Associação Miliícia da Imaculada dos Frades Menores Conventuais, nº 194, nov. 2006.

Sites:
a) órgãos do governo federal
www.mc.gov.br – Ministério das Comunicações
www.anatel.gov.br – Agência Nacional de Telecomunicações
www.radiobras.gov.br – Empresa Brasileira de Radiodifusão
www.fndc.org.br/arquivos/ComparativoLegislacao.pdf
www2.camara.gov.br/publicações

b) informações sobre emissoras de rádio brasileiras
www.tudoradio.com – Relação de emissoras por região e outras informações sobre rádio www1.folha.uol.com.br/folha/Brasil.

d) sites de emissoras
www.radio.usp.br. – Rádio USP – São Paulo
www.radiofm107.com.br
www.diocesedesantos.com.br – Rádio Boa Nova – Praia Grande
www.radioamiga.com – São José dos Campos

e) artigos
http:/observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/asp280820025 – Observatório da Imprensa